Francisco Rodrigues Lobo nasceu em Leiria, onde tem uma estátua em lugar de destaque. Aliás, ele está muito presente na cidade de Leiria, mas não devo andar longe da verdade se disser que poucos são os leirienses que já leram sequer uma página daquilo que ele escreveu. Escrita difícil. Figura esquecida, hoje. Mesmo assim, quem não conhece o poema “Cantiga”: Descalça vai para a fonte/Leonor pela verdura/vai formosa e não segura. Mas isto é plágio ou não? Camões, cerca de 60 anos antes, escrevera um poema em que a primeira estrofe é igual. O drama de Rodrigues Lobo é que, depois de Camões, as coisas já estavam todas ditas. Privilegiou a forma em detrimento do conteúdo. Morreu afogado. Como era um Cristão-Novo, logo alguém, injusta e macabramente, escreveu “Morreu afogado, quando devia ter morrido queimado”.
Descalça vai para a fonte
Descalça vai para a fonte
Lianor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.
Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamelote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura.
Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura.
Luís de Camões (1524-1580)
CANTIGA
Descalça vai para a fonte,
Leanor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.
A talha leva pedrada,
Pucarinho de feição,
Saia de cor de limão,
Beatilha soqueixada;
Cantando de madrugada,
Pisa as flores na verdura:
Vai fermosa, e não segura.
Leva na mão a rodilha,
Feita da sua toalha;
Com üa sustenta a talha,
Ergue com outra a fraldilha;
Mostra os pés por maravilha,
Que a neve deixam escura:
Vai fermosa, e não segura.
As flores, por onde passa,
Se o pé lhe acerta de pôr,
Ficam de inveja sem cor,
E de vergonha com graça;
Qualquer pegada que faça
Faz florescer a verdura:
Vai formosa, e não segura.
Não na ver o Sol lhe val,
Por não ter novo inimigo;
Mas ela corre perigo,
Se na fonte se vê tal;
Descuidada deste mal,
Se vai ver na fonte pura:
Vai fermosa, e não segura.
Francisco Rodrigues Lobo (1580-1622)
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