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terça-feira, 4 de novembro de 2014

Uma carta de amor muito especial

Carta de Amor
(A Eugénio de Andrade)


Um dia destes
vou-te matar
Uma manhã qualquer em que estejas (como de costume)
a medir o tesão das flores
ali no jardim de S. Lázaro
um tiro de pistola e...
Não te vou dar tempo sequer de me fixares o rosto
Podes invocar Safo, Cavafy ou S. João da Cruz
todos os poetas celestiais
que ninguém te virá acudir
Comprometidos definitivamente os teus planos de eternidade

Adeus pois mares de Setembro e dunas de Fão
Um dia destes vou-te matar...
Uma certeira bala de pólen
mesmo sobre o coração.

Jorge de Sousa Braga


Pode um poema significar exactamente o contrário do que diz? É possível uma “Carta de Amor” iniciar-se com versos como: “Um dia destes/ vou-te matar”?

Parece, afinal, que sim. O poeta surpreende-nos com o efeito de intimidação que percorre o poema que dedica a Eugénio de Andrade, numa das mais afectuosas homenagens poéticas escritas em vida por um poeta a outro poeta.

Quando o autor se propõe comprometer a ”eternidade” do poeta, mais não faz do que oferecer-lhe, de vez, a imortalidade. Haverá maior prova de amor do que essa?

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