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terça-feira, 7 de maio de 2019

Fernando Pessoa a brincar com as palavras

O Fernando Pessoa, ainda em Durban, na África do Sul, com a idade de 12 anos, surpreende-nos com esta carta de amor equívoca. A carta, atribuída a H.W.M. surgiu nas páginas de um pseudojornal que Fernando Pessoa elaborou em Abril de 1901. Não é uma criação inteiramente original, já que este tipo de missiva (Cópia de uma Curiosa Carta de Amor de um Cavaleiro para uma Dama) circulava no Reino Unido e nos Estados Unidos da América desde c. 1840, em folhas volantes, apenas com ligeiras variações. O jovem Pessoa terá, então, entrado no jogo da variação do modelo, não deixando, todavia, de nos surpreender. 

Aviso prévio: Após ler, começar de novo na primeira linha e ler cada linha alternadamente até ao final.

Carta de amor equívoca

À -
O grande amor que até agora te comuniquei
é falso, e creio que a minha indiferença por ti
cresce a cada dia. Quanto mais te vejo, mais
apareces a meus olhos como digna de desprezo,
sinto que estou inteiramente disposto e determinado a
odiar-te. Acredita que nunca tive intenção de
conceder-te a minha mão. A nossa última conversa
deixou-me com uma monotonia tediosa, que de forma alguma
me proporcionou a mais exaltante imagem do teu carácter,
o teu temperamento tornar-me-ia extremamente infeliz
e ao unirmo-nos, não sentiria senão o
ódio dos meus pais, juntamente com o interminável des-
agrado de viver contigo. Eu tenho, de facto, um coração
para oferecer, mas não quero que o imagines
ao teu serviço, não podendo dá-lo a ninguém mais
inconsistente e caprichoso que a ti e menos
capaz de honrar a minha escolha e família.
Sim, espero que fiques persuadida de que
falo de forma sincera e far-me-ás um favor ao
ignorar-me. Dou-te licença de evitares o trabalho de
responder a isto, as tuas cartas são sempre cheias de
impertinências, e não tens a mais pequena noção de
génio e bom senso. Adieu! Adieu! Imagina—me
tão adverso a ti que me é impossível alguma vez ser
o teu mais afectuoso amigo e humilde servo.

H.W.M., nome fictício de Fernando Pessoa, 2 de Abril de 1901 Em “Eu Sou uma Antologia-136 autores fictícios”, de Jerónimo Pizarro, pp 25

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