A minha Lista de blogues

terça-feira, 24 de abril de 2012

Gideon Sundback, inventor do fecho de correr ou éclair, é recordado hoje pelo Google.

Não resisto a deixar aqui um poema do António Gedeão, que ele escreveu a propósito de objecto tão útil e que o Rei Filipe II, tão rico que era, não tinha.

 
Poema do Fecho éclair

Filipe II tinha um colar de oiro
tinha um colar de oiro com pedras
rubis.
Cingia a cintura com cinto de coiro,
com fivela de oiro,
olho de perdiz.
Comia num prato
de prata lavrada
girafa trufada,
rissóis de serpente.
O copo era um gomo
que em flor desabrocha,
de cristal de rocha
do mais transparente.

Andava nas salas
forradas de Arrás,
com panos por cima,
pela frente e por trás.
Tapetes flamengos,
combates de galos,
alões e podengos,
falcões e cavalos.

Dormia na cama
de prata maciça
com dossel de lhama
de franja roliça.
Na mesa do canto
vermelho damasco
a tíbia de um santo
guardada num frasco.

Foi dono da terra,
foi senhor do mundo,
nada lhe faltava,
Filipe Segundo.

Tinha oiro e prata,
pedras nunca vistas,
safira, topázios,
rubis, ametistas.

Tinha tudo, tudo
sem peso nem conta,
bragas de veludo,
peliças de lontra.

Um homem tão grande
tem tudo o que quer.

O que ele não tinha
era um fecho éclair.

António Gedeão

sábado, 21 de abril de 2012

A minha peregrinação a Évora

Na Quarta-Feira passada (dia 18) peregrinei até Évora, com os meus amigos dos livros, para fazer o percurso da Aparição do Vergílio Ferreira. Fomos acompanhados por um guia que o Turismo de Évora disponibilizou.
A peregrinação começou na praça famosa do Giraldo, aquele cavaleiro salteador ou salteador cavaleiro que, para Afonso Henriques lhe perdoar os crimes, se determinou a conquistar esta cidade. Entrámos no Café Arcada, mas o Dr. Moura faltou ao encontro marcado. Certamente, tomava conta dos seus doentes. Tem um Deus para lhe tomar conta da vida e da morte. Logo ali ao lado, à esquina, parada no tempo, a montra da livraria do Nazareth. Depois, penetrámos na cidade, enredada de ruas, semeada de ruínas, de arcos partidos, nichos de santos, janelas góticas. Subimos a Rua da Selaria, agora sem a praga das carroças atroando a cidade. Perto do nicho do Senhor dos Terramotos, ao alto, o cão cansou-se da espera do osso da janela lá de cima. Depois, o Largo do Templo de Diana. Nas colunas solitárias pareceu-me ouvir um murmúrio antigo de uma floresta imóvel. O zimbório da Sé lá estava, mas não brilhava. À direita, ao chegar ao Largo, está o Museu. Espreitei mas a Sofia e o Alberto Soares já haviam saído. Ao pé do Templo de Diana, está a Biblioteca, mas, nesse dia, não havia aula de português. Não entrámos na Sé. Ana, estás aí dentro, tenho a certeza, encontraste finalmente o caminho que dá sentido à tua vida. Ergui os olhos para a massa escura da catedral, o alinhamento dos contrafortes, a renda da corda, lavrada a mãos grossas, pelas rosáceas, pelas ameias, a ascensão, até às flechas, de uma força entroncada, vinda do fundo da terra, escorrendo ainda o negrume de raízes…e os Apóstolos da Sé, à entrada, são magníficos. Depois, descemos as ruas apressadas e oblíquas, descobrindo, finalmente, o edifício da Universidade de Évora, o antigo liceu.
Procurei o bom reitor do liceu, que não encontrei. Também não dei pela presença do cão. Sobre um pequeno lago, ergue-se uma taça de mármore, onde os pombos vêm (ou vinham?) beber água. Aí tirámos a fotografia da praxe.

Saímos e vamos pela Rua do Colégio. Há uma casa à direita, ao alto de um jardim, com uma fachada de azulejos azuis. Uma outra casa adiante, com um brasão, abre-se de arcarias, num jardim traçado pela curva da rua. A guia levou-nos até ao Largo das Portas de Moura, mas não me levou à Rua da Mesquita, à casa onde viveu Vergílio Ferreira. Vimos a janela de Garcia de Resende e percorremos a Rua dos Infantes, que, desta vez, não estava embaraçada de peões. Do alto de uma janela, vem um som do princípio do mundo. Cristina toca uma música celestial. É para mim uma aparição. Oh, Cristina! E que estarás tu tocando? Bach? Beethoven? Mozart? Chopin? Não sei. Descemos agora pela Travessa da Caraça. À igreja de São Francisco chegámos quase sem forças. Passeámos pela grande nave, admirámos as pinturas atribuídas a Garcia Fernandes. Embora não fazendo parte do percurso vergiliano, entrámos na Capela dos Ossos. Visita mais apropriada para uma Quarta-Feira de Cinzas. Saímos deprimidos. Estes franciscanos, tanta canseira, para nos obrigarem a pensar por breves momentos. O milagre da vida, em face da inverossimilhança da morte. Perto, fica a casa do Chico, um tipo com um ar dominador de pugilista, com quem tenho um combate a travar, mas hoje não. O último local da viagem é o Jardim Público, junto ao busto da Florbela Espanca, ali desde 1949, da autoria do escultor Diogo de Macedo.
Através dos túneis de sombra, entrevejo Alberto Soares: «Sento-me, reconciliado, nos bancos de azulejos, fechados em recantos clandestinos, vou visitar Florbela, olho-a de um banco de madeira que lhe fica em frente, medito com ela. É uma cabeça calma, triste e majestosa. Banha-se de grandeza e gravidade desde a fronte cansada, que verga sobre as mãos em repouso, até às espáduas largas, em que o pescoço se espraia. Sinto que ela prevaleceu sobre a melancolia dos séculos e que chegou até nós para nos dar testemunho. Não está bem ali, rodeada de lirismo. E imagino-a num limite da cidade, frente à planície deserta, num alto pedestal tocando os astros…»
Finalmente, o encontro com Florbela. Interrompemos a sua meditação com a nossa poesia. Até eu, coitado, ousei dizer o poema “Alma Perdida”.  Momento há muito esperado.

Por sugestão do guia, fomos terminar a peregrinação numa pastelaria afamada na cidade. Havia que descansar e retemperar forças antes de iniciar o regresso. Então, ao aproximar-me da pastelaria, vi, ao longe, o antigo edifício do Regimento de Infantaria 16 de Évora. Larguei os meus companheiros de jornada e aproximei-me com os mesmos medos de há 40 anos. Lentamente, o casarão foi rodando com a curva da rua, espiando-me do alto da sua quietude lôbrega. Entrei de supetão e veio ao meu encontro um missionário. Contei a minha história. O comandante, o louco Zé Pinheiro, não estava. Estará em nova comissão de serviço? Posso tirar uma fotografia? Só lá fora, respondeu o missionário do quartel. Eu pedi uma história quente, mas serviram-me uma recordação fria.
Juntei-me aos meus amigos, para iniciar o regresso a casa. Tinha encontro marcado com tanta gente, mas faltaram todos. No regresso, nas algibeiras, só recordações. Raiva. No tempo, há 40 anos, quando vim a esta cidade branca pela primeira vez, eu era feliz e ninguém estava morto.

quarta-feira, 18 de abril de 2012


Nasceu há 170 anos e merece ser recordado.

O PALÁCIO DA VENTURA

Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, O deserdado...
Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d’ouro, com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão – e nada mais!

Antero de Quental

sábado, 14 de abril de 2012

"O senhorito do Monte da Ribeira da Orca"


Eugénio de Andrade fez da mãe a presença central da sua poesia, de onde o pai está quase ausente, esse pai a quem em entrevistas apenas se refere como "o senhorito do Monte da Ribeira da Orca". Ora, Orca é justamente a terra onde eu nasci. Por isso, sinto-me, para sempre, em falta em relação ao poeta que muito admiro.  É sabido que o seu nascimento foi fruto de um amor juvenil e que o casamento, celebrado mais tarde, durou muito pouco tempo. 
Há um único poema em que o poeta se refere, necessariamente de forma crítica, ao pai. É assim em

Harmónio
Como ladrão ou mulher
pública: vens de noite.
Trazes o harmónio
a masculina
música roubada às fontes.
Não te esperava;só uma vez
te esperei tremendo de amor:
eu era tão pequeno
que não me viste.
Nem uma palavra ousas;
só os olhos suplicam que te roube
à morte,que devolva ao sol
a modesta desordem dos teus dias.
Que escute ao menos a pobre
e rouca e desamparada
música do teu pequeno harmónio.

Eugénio de Andrade

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Lisboa Revisitada


Lisbon Revisited (1923)”, de Álvaro de Campos (heterónimo de Fernando Pessoa), é um poema repleto de frustração e sentimento de mágoa.
O poeta recusa tudo e todos à sua volta. Recusa tudo que se mostre como conclusivo e alega que a única certeza é morrer (“Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer.”). O poeta não quer saber de regras nem ideais de conduta ou moral a seguir. Recusa-se a encarar a verdade (“Se têm a verdade, guardem-na!”). Desta Lisboa, o poeta já não reconhece nada (“Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.”).

O poeta revisita a Lisboa da sua infância sem, porém, a reencontrar.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Quando nasceu Sebastião da Gama

No dia 10 de Abril de 1924 (se fosse vivo faria hoje 88 anos), nasceu o poeta Sebastião da Gama, em Vila Nogueira de Azeitão.

Quando nasceu, ficou tudo como estava. Nem homens cortaram veias, nem o Sol escureceu, nem houve Estrelas a mais … somente, esquecida das dores, a sua Mãe sorriu e agradeceu. Quando nasceu, não houve nada de novo, senão ele. As nuvens não se espantaram e não enlouqueceu ninguém … para que o dia fosse enorme, bastou ao poeta toda a ternura que olhava nos olhos de sua Mãe.

Foi assim o dia 10 de Abril de 1924. Como soube? É o meu querido poeta da Arrábida que o conta em “Pequeno Poema”. É um lindo poema e, ao mesmo tempo, um bela homenagem às nossas Mães. Obrigado, Sebastião da Gama.

domingo, 8 de abril de 2012

Domingo de Páscoa


Evangelho segundo S. João

(...) No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo logo de manhã, ainda escuro, e viu retirada a pedra que o tapava. Correndo, foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo, o que Jesus amava, e disse-lhes: «O Senhor foi levado do túmulo e não sabemos onde o puseram.» Pedro saiu com o outro discípulo e foram ao túmulo. Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo correu mais do que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. Inclinou-se para observar e reparou que os panos de linho estavam espalmados no chão, mas não entrou. Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira. Entrou no túmulo e ficou admirado ao ver os panos de linho espalmados no chão, ao passo que o lenço que tivera em volta da cabeça não estava espalmado no chão juntamente com os panos de linho, mas de outro modo, enrolado noutra posição. Então, entrou também o outro discípulo, o que tinha chegado primeiro ao túmulo. Viu e começou a crer, pois ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos.

Da Bíblia Sagrada

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Semana Santa

(…) Depois disto, José de Arimateia, que era discípulo de Jesus, mas secretamente por medo das autoridades judaicas, pediu a Pilatos que lhe deixasse levar o corpo de Jesus. E Pilatos permitiu-lho. Veio, pois, e retirou o corpo.
Nicodemos, aquele que antes tinha ido ter com Jesus de noite, apareceu também trazendo uma mistura de perto de cem libras de mirra e aloés.
Tomaram então o corpo de Jesus e envolveram-no em panos de linho com os perfumes, segundo o costume dos judeus.
No sítio em que Ele tinha sido crucificado havia um horto e, no horto, um túmulo novo, onde ainda ninguém tinha sido sepultado.
Como para os judeus era o dia da Preparação da Páscoa e o túmulo estava perto, foi ali que puseram Jesus.

Evangelho segundo S. João

segunda-feira, 2 de abril de 2012

O Desejado


Rei D. Sebastião no seu nicho na frontaria da estação do Rossio. Se o lá puseram (confesso que eu só hoje reparei), teremos de reexaminar a importância e os caminhos do sebastianismo, com nevoeiro ou sem ele. É patente que, afinal, o Desejado virá de comboio, ainda que sujeito a atrasos…