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domingo, 26 de fevereiro de 2012

Revisitar Fausto

O livro Peregrinação de Fernão Mendes Pinto é considerado um “livro difícil”. No entanto, há quem defenda que pode ser lido ao jeito de folhetins. É bem possível encontrar histórias que podem ser contadas autonomamente.

Quem assim pensou e melhor o fez,  aliás de forma magnífica,  foi o Fausto em “POR ESTE RIO ACIMA - As viagens de Fernão Mendes Pinto”. Editado em 1982, é considerado, pela crítica em geral, um dos álbuns mais marcantes da música popular portuguesa das últimas décadas.

O álbum conta-nos histórias retiradas dos capítulos do livro. Um delas é “O Romance de Diogo Soares”, a partir, neste caso, do relato que FMP faz nos Capítulos 191 e 192. Conta a história do Diogo Soares, o grande general, por alcunha “O Galego”, que cometeu grandes atrocidades e acabou morto à pedrada por uma turba de indignados.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Sr. Verde, empregado no comércio

Assinala-se, hoje, o 157º aniversário do nascimento de Cesário Verde. O poeta nasceu no dia 25 de Fevereiro de 1855 em Lisboa, na Rua da Padaria, freguesia da Madalena. O pai, José Anastácio Verde, era comerciante e lavrador: além de se ocupar da sua loja de ferragens, na Rua dos Fanqueiros, dedicava-se também à lavoura numa quinta em Linda-a-Pastora, a cerca de dois quilómetros da capital, propriedade da família Verde desde 1797.

Cesário dividia-se entre a produção de poesias (publicadas em jornais) e as actividades de comerciante do pai, na loja de ferragens, na Rua dos Fanqueiros: escreve cartas para o estrangeiro, recebe caixeiros viajantes, pesa pregos e parafusos, monta e oleia fechaduras, experimenta ferramentas…
     Casa de Ferragens, na Rua dos Fanqueiros, nºs 2 a 8 (hoje uma instituição bancária)

De que me serve citar-me génio se resulto ajudante de guarda-livros? Quando Cesário Verde fez dizer ao médico que era, não o Sr. Verde empregado no comércio, mas o poeta Cesário Verde, usou de um daqueles verbalismos do orgulho inútil que suam o cheiro da vaidade. O que ele foi sempre, coitado, foi o Sr. Verde empregado no comércio. O poeta nasceu depois de ele morrer, porque foi depois de ele morrer que nasceu a apreciação do poeta”.
Bernardo Soares, Livro do Desassossego

É verdade, ninguém reparou na grandeza da poesia de Cesário. Andaram todos distraídos. Todos, menos um: Fernando Pessoa. Uma vez, pela pena de Bernardo Soares; outra,  levou Álvaro de Campos a bradar:
- Ó Cesário Verde, ó Mestre!

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

D. João V, o "Mãos-Largas"


Visitei, há dois dias, a Igreja de São Roque, assim como o Museu de São Roque, instalado no edifício contíguo. Ambos apresentam aos visitantes um acervo valiosíssimo.

A igreja de São Roque foi construída em conformidade com as orientações da Companhia de Jesus e com as recomendações litúrgicas do Concílio de Trento. De planta rectangular, é composta por uma só nave, uma capela-mor pouco profunda e oito capelas laterais.

Haveria muito para falar do que vi, mas gostaria de destacar apenas a Capela de São João Baptista, uma das oito capelas laterais da Igreja de São Roque, que o magnânimo D. João V encomendou em Itália.

Projectada pelos arquitectos italianos Luigi Vanvitelli e Nicola Solvi sob supervisão do arquitecto régio, Frederico Ludovice, foi inaugurada em 1752.

Destaca-se das restantes capelas da igreja pela utilização, na sua decoração, de materiais de jaspe e bronze, de mosaico e mármore.

Em frente, um quadro a óleo mostra-nos o baptismo de Cristo por São João Baptista, o santo que pregava no deserto e comia gafanhotos. Vida bem austera a deste santo, em oposição a tamanha riqueza que agora o rodeia.

D. João V tinha muito dinheiro para gastar, como se conclui da resposta que deu quando lhe foram dizer que um carrilhão para o Convento de Mafra custava a astronómica quantia de quatrocentos mil réis: «Não pensava que era tão barato; quero dois».

Mas vale mesmo a pena visitar. A Igreja de São Roque, considerada um monumento impar no contexto da arquitectura portuguesa, foi classificada como Monumento Nacional em 1910.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Fernando Pessoa, o indisciplinador de almas

Visitei, hoje, a exposição FERNANDO PESSOA, PLURAL COMO O UNIVERSO, que ontem foi inaugurada na Fundação Calouste Gulbenkian. Dedicada a Fernando Pessoa e aos seus heterónimos, esta exposição pretende mostrar a multiplicidade da obra do poeta. Esta exposição reúne poemas, textos, documentos, fotografias e pintura.

Gostei de ver a primeira edição do livro Mensagem, com uma dedicatória escrita pelo poeta.

Gostei de ver uma folha de papel branco, que pertence ao espólio do poeta na Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), onde Fernando Pessoa escreveu a frase: “ Sê plural como o universo!” Foi a partir desse manuscrito que nasceu o título FERNANDO PESSOA, PLURAL COMO O UNIVERSO, que, segundo os criadores, remete para a multiplicidade que conhecemos em Pessoa.

Gostei de ver os muitos poemas que nos são mostrados e que, de imediato, nos vêm à memória. “Nunca conheci quem tivesse levado porrada / Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo (…)”.

Gostei de ver uma instalação (à entrada e pendurado no tecto) feita com a mesa, a cadeira, a chávena de café, o chapéu de Pessoa, em projecção de vários elementos do famoso quadro de Almada Negreiros, Fernando Pessoa lendo Orpheu.

Gostei de ver, na sala seguinte, o quadro original, que pertence à colecção da Fundação Gulbenkian. Como se sabe, em 1964, por encomenda da Fundação Calouste Gulbenkian, Almada Negreiros realizou uma réplica do Retrato de Fernando Pessoa executado em 1954 para o restaurante Irmãos Unidos, estabelecimento de que era sócio Alfredo Pedro Guisado, colaborador da Orpheu.
Gostei de ver as muitas cartas lá expostas, os últimos poemas escritos por Fernando Pessoa e pelos heterónimos Ricardo Reis e Álvaro de Campos, o primeiro dos jornais fictícios de Pessoa, O Palrador, com notícias reais e fictícias, do caderno mais antigo de Pessoa (datado de 1901), onde ele registou algumas notas do liceu de Durban.

Não gostei de ver escrito num painel “cotidiano”, “ortônimo” e “desassocego”. As grafias das duas primeiras entendem-se, sabendo que a exposição foi criada originalmente para o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, no Brasil; a terceira parece querer reproduzir a grafia antiga que Fernando Pessoa utilizou num escrito em 1913. Não obstante, face à discussão que por aí vai a propósito do Novo Acordo Ortográfico, era de evitar mais esta confusão. Confesso que fiquei desassossegado. 

Gostei de ver a célebre arca. Está lá um segurança, ninguém pode mexer, claro. Mas garanto a quem me lê (se há quem o faça) que a arca está mesmo vazia.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Meu país desgraçado

Assinalam-se, hoje, os 60 anos do desaparecimento do poeta da Arrábida, com 27 anos de idade, vítima de uma tuberculose que se declarara desde criança. Sebastião da Gama foi um exemplo de superação da oposição entre necessidade de empenhamento / liberdade de criação em que se debatia a poesia, marcada ainda pela polémica entre presencistas e neo-realistas.

Assim, à primeira vista, o título do poema ("Meu País Desgraçado"), que escolhemos, até se pode estranhar. Não, o poeta não aderiu às hostes do neo-realismo, apenas nos exorta a não cruzar os braços.


Meu País Desgraçado

Meu país desgraçado!...
E no entanto há Sol a cada canto
e não há Mar tão lindo noutro lado.
Nem há Céu mais alegre do que o nosso,
nem pássaros, nem águas ...

Meu país desgraçado!...
Por que fatal engano?
Que malévolos crimes
teus direitos de berço violaram?

Meu Povo
de cabeça pendida, mãos caídas,
de olhos sem fé
— busca, dentro de ti, fora de ti, aonde
a causa da miséria se te esconde.

E em nome dos direitos
que te deram a terra, o Sol, o Mar,
fere-a sem dó
com o lume do teu antigo olhar.

Alevanta-te, Povo!
Ah!, visses tu, nos olhos das mulheres,
a calada censura
que te reclama filhos mais robustos!

Povo anémico e triste,
meu Pedro Sem sem forças, sem haveres!
— olha a censura muda das mulheres!
Vai-te de novo ao Mar!
Reganha tuas barcas, tuas forças
e o direito de amar e fecundar
as que só por Amor te não desprezam!


Sebastião da Gama
Cabo da Boa Esperança
Lisboa, Edições Ática, 2000

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Dom Quixote

Tanto quanto sei, o Novo Acordo Ortográfico (NAO) foi aprovado e começou a ser aplicado em todas as comunicações de serviços ligados ao aparelho de Estado. Não percebo a ordem do Vasco Graça Moura. É uma atitude prepotente e estéril. Confesso que tenho uma grande admiração pela estatura intelectual de VGM, apesar de não concordar com esta sua cruzada quixotesca contra o NAO. Uma desilusão! A medida pode não ser ilegal, mas que anda lá perto, anda. Fico agora à espera da resposta do Sr. Secretário da Cultura que, ainda há dias, o ouvi dizer que os escritores, na sua actividade profissional, não estavam obrigados a seguir o NAO, mas essa obrigação é absolutamente imperativa quando no desempenho de um cargo dentro do aparelho do Estado. E agora, Sr. Secretário de Estado?

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A cómoda

                     (Foto tirada  hoje na Casa Fernando Pessoa)

Esta é a cómoda a que Fernando Pessoa se refere na sua carta a Adolfo Casais Monteiro, datada de 13/01/1935.
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Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro – de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira – foi em 8 de Março de 1914 – acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre.
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