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domingo, 25 de dezembro de 2011

FELIZ NATAL


 Alegrem-se o céu e a terra
cantemos com alegria
já nasceu o Deus Menino
filho da Virgem Maria 

FELIZ NATAL são os votos do AlegriaBreve aos seus (poucos mas bons) leitores.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Aleluia

No momento presente, por incerto e imperfeito que seja, saudamos os sinais do tempo de Deus. Por isso, no Natal cantamos

ALELUIA

A ti
de ti
por ti
para ti
sem ti
ante ti
perante ti
depois de ti
longe de ti
fora de ti
além de ti
contra ti
sobre ti
sob ti

Dentro de ti

Poema de Jorge Sousa Braga

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Um conto de Natal, de Alexandre O´Neill

Há 87 anos, precisamente, nasceu, em Lisboa, Alexandre O´Neill, que foi um importante poeta do movimento surrealista.

Escreveu um curioso conto de Natal a que deu o título

Exercícios de auto-apoucamento (com vista ao próximo Natal)

A ideia de há muito que o andava a desassossegar. Depois dos primeiros ensaios de auto-apoucamento, Valério conseguiu um primeiro grande resultado: meter-se todo, todinho, numa das pernas (por sinal, a esquerda) do par de calças de sarja que comprara nas Confecções Nilo por trezentos convidativos escudos. Com voz-de-dentro-de-calça chamou a mulher:
- Ó Quinhas anda ver!
Quinhas levou um susto ao dar com uma perna de calça sustentando-se em pé sem, aparentemente, homem lá dentro. Logo se refez para fingir que não era capaz de o encontrar:
- Mas onde é que se teria metido meu Lèrinho!
- Aqui, sua estúpida! – desabafou-abafou a voz de Valério.
Quinhas continuava a brincadeirinha apalpando a perna vazia e bichanando:
- Lèrinho, Lèrinho!
Quando Valério, por fim, se libertou da perna da calça e retomou o seu (natural) ascendente, trocaram prazenteiramente insultos como só os casais muito unidos sabem trocar.
Quinhas seguira os exercícios de auto-apoucamento de Valério. Este começara a enovelar-se pelos cantos da casa: passara de seguida aos gavetões da cómoda e acabara por ser encontrado numa das gavetas da mesa da cozinha. Dessa feita, Quinhas gritara. É que Valério saltara lá de dentro e avantajara-se brandindo aos urros um facalhaz.
- Que horror, querido, pareces um cossaco! – dissera Quinhas que, no autocarro dessa manhã, lera nas Selecções um artigo dum biólogo americano sobre cossacos.
E, então, solenemente, como só os casais muito amigos sabem fazer, combinaram logo ali que Valério, por mais apoucado e encafuado que estivesse, não pregaria sustos daqueles à sua Quinhas. E beijocaram-se, prazidos. Os exercícios de auto-apoucamento de Valério tinham um fim: preparar a grande surpresa para o Necas, quando ele viesse a férias pelo Natal. E vai daí – como o tempo corre! – o Necas veio. Valério considerou o filho com apreensão. Valeria a pena a surpresa? Necas estava tão grande! Aquela sombra no beiço, aquela voz do peito pontuada de estridulações…
- Ora, o Necas é ainda tão criança! – sossegou-o Quinhas.
Criança que era, o Necas só muito raramente acordava no meio do sono com as movimentações tardias que naquela casa estavam a ser o teor diário. Mas na véspera do Natal, o silêncio foi inesperadamente tão grande que o Necas passou toda a noite numa excitação que nem te digo. Coisas de crianças, coisas da quadra?
Ao levantar-se, pés nus, para ir ver o sapatinho, o Necas já ia a bordo dos patins que a mãe lhe prometera. Quando deu com o pai, apoucado, a acenar-lhe amigavelmente da amurada do sapato, Necas fugiu a procurar no regaço de Quinhas a verdadeira dimensão do seu horror:
- Sa…Sa…Saiu-me o…o… o pai no sa…sa…sapato! – soluuuuçava o órfão de vivo. E a mãe, ultrapassada pela reacção do Necas, consolava-o como ia podendo, prometendo-lhe que o pai voltaria a crescer, a crescer.

Um poema de Natal

Ladaínha dos Póstumos Natais

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito.


David Mourão-Ferreira,

sábado, 17 de dezembro de 2011

Uma visita do além

O Prémio Pessoa é um prémio português instituído em 1987 pelo jornal Expresso e patrocinado pela Caixa Geral de Depósitos. É concedido anualmente à pessoa ou pessoas, de nacionalidade portuguesa que durante esse período, se tenha distinguido como protagonista na vida científica, artística ou literária.

O ensaísta, professor universitário e filósofo Eduardo Lourenço, de 88 anos, foi 25.º premiado com o Prémio Pessoa. Eduardo Lourenço recebe um diploma e 60 mil euros.

Crítico e ensaísta literário, virado predominantemente para a poesia, aproximou-se da obra de Fernando Pessoa, a propósito da qual deu à estampa o volume Pessoa Revisitado e Fernando Rei da Nossa Baviera.

Receber uma distinção com o nome de Fernando Pessoa “é como receber do além a visita dele”, sublinhou Eduardo Lourenço.

Bem, se receber mesmo essa visita do Pessoa, não será o primeiro. Pessoa já veio do além, nos primeiros meses do ano de 1936, para falar com o seu homónimo Ricardo Reis.

Todavia, meu caro Eduardo Lourenço, tal só aconteceu, como bem sabe, na narrativa magistral de José Saramago, no Ano da Morte de Ricardo Reis. Mas nunca se sabe…

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Uma sugestão no roteiro Pessoano


Igreja dos Mártires, no Chiado, onde Fernando Pessoa foi baptizado no dia 21 de Julho de 1888. O sino da minha aldeia, meu querido Gaspar Simões, é o da Igreja dos Mártires, ali no Chiado. A aldeia em que nasci foi o Largo de São Carlos (Carta a J. Gaspar Simões de 11.12.1931). O sino da minha aldeia é o desta igreja, escreveu o poeta no Cancioneiro:

Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

A Igreja dos Mártires é uma construção do século XVIII, terminada em 1784. Substitui  antiga Ermida dos Mártires, anterior ao terramoto de 1755. Assinala a conquista da cidade aos mouros. O baixo-relevo do portal da Igreja dos Mártires evoca, justamente, essa conquista. O nome também. Nas imediações existiu outrora um cemitério, onde foram sepultados os soldados mortos no assalto à cidade. Esses soldados, caídos em batalha, ficaram conhecidos como mártires. A fachada principal da igreja ficou como testemunho do início da era cristã de Lisboa, podendo-se ver o fundador de Portugal em agradecimento à Virgem Maria pela graça da vitória. O altar é em mármore e no seu topo pode ver-se uma representação da Santíssima Trindade. O tecto, pintado por Pedro Alexandrino, ostenta também uma notável pintura. No interior, de uma só nave, existem quatro capelas de cada um dos lados e um órgão do século XVIII.
A capela onde Fernando Pessoa foi baptizado, do lado esquerdo de quem entra, possui portão de ferro dourado e uma inscrição assinalando o primeiro baptismo realizado no templo antigo (que este substitui) em 1147.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Um poema de Natal

Natal

Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor
Há neve que faz mal
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar
Chove no Natal presente
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho frio e Natal não.

Deixo sentir a quem a quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.

Fernando Pessoa
´
Curioso o final este poema. Um tom irónico, nada habitual em Fernando Pessoa…

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

A "Nossa Senhora", de José Régio


Nossa Senhora

Tenho ao cimo da escada, de maneira
Que logo, entrando, os olhos me dão nela,
Uma Nossa Senhora de madeira,
Arrancada a um Calvário de Capela.

Põe as mãos com fervor e angústia.
O manto cobre-lhe a testa, os ombros, cai composto;
É uma expressão de febre e espanto;
Quase lhe afeia o fino rosto.

Mãe de Deus, seus olhos enovoados
Olham, chorosos, fixos muito além...
E eu, ao passar, detenho os passos apressados,
Peço-lhe – “ A sua benção, Mãe!”

Sim, fazemo-nos boa companhia
E não me assusta a Sua dor: quase me apraz
O filho dessa Mãe nunca mais morre. Aleluia!
Só isto bastaria a me dar paz.

“-Porque choras, Mulher?” – Docemente a repreendo.
Mas à minh´alma, então, chega de longe a sua voz
Que eu bem entendo: - “Não é por Ele...”
“Eu sei! Teus filhos somos nós!”.

José Régio

sábado, 3 de dezembro de 2011

Pedro Audi Soares


Entrada de leão, saída de sendeiro”, diz o nosso povo. Pedro Mota Soares, ministro da Solidariedade e Segurança Social, do Governo de Portugal, fez a inversa, ou seja, “entrada de mota, saída de Audi A7

Segundo li na nossa Comunicação Social, o Ministro Pedro Mota Soares faz-se transportar num carro de luxo, cujo preço de venda ao público ronda 86 mil euros. Numa altura de cortes nos subsídios de Natal e de férias de funcionários públicos e pensionistas e em que se pedem sacrifícios aos portugueses, o ministro que, em Junho, se apresentou, na tomada de posse do Governo, ao volante de uma vespa, desloca-se agora num carro novo, de alta cilindrada.

Numa época tão difícil como aquela em que vivemos, se o exemplo não vier de cima, jamais um governo conseguirá mobilizar o país para aquilo que precisa de ser feito.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Fernando Pessoa, adivinho

O Parque dos Poetas, em Oeiras, presta uma justa e bonita homenagem aos poetas portugueses. Nesta primeira fase, estão ali expostas 20 esculturas de poetas do Séc. XX.

Um dos poetas homenageados, como não podia deixar de ser, é Fernando Pessoa.

Lamentavelmente, a estátua do poeta encontra-se vandalizada. Nem morto, o poeta deixa de levar porrada.

Até parece que já o adivinhava, quando, escondido na máscara do Álvaro de Campos, escreveu:

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus companheiros têm sido campeões em tudo
….Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenha calado, tenho sido mais ridículo ainda;
….

Álvaro de Campos (excerto de “Poema em Linha Recta”)

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O Ano da Morte de Fernando Pessoa


Completam-se hoje 76 anos da morte de Fernando Pessoa. Morreu na madrugada do dia 30 de Novembro de 1935, no Hospital de São Luís dos Franceses, em Lisboa, com um “problemazito” hepático. Tantas vezes apanhado “em flagrante delitro”, como ele se confessou à sua amada Ofélia, foi mais uma vítima daqueles que encontram no álcool um lenitivo para as suas dores existenciais.

Morreu aquele de quem Sophia disse um dia «...E és semelhante a um Deus de quatro rostos/ E és semelhante a um Deus de muitos nomes…»

sábado, 26 de novembro de 2011

Fado como Património Imaterial da Humanidade

Ainda este sábado ou amanhã, a UNESCO poderá anunciar o fado como Património Imaterial da Humanidade. Os responsáveis da candidatura estão bastante confiantes. Existe por aí um grande frenesim quanto ao desfecho da candidatura.

Eu, confesso, não me sinto assim tão entusiasmado.

Quando a Amália Rodrigues começou a cantar fados com letras do poeta Luís de Camões, alguns intelectuais (José Gomes Ferreira e José Cardoso Pires, por exemplo) logo gritaram aqui D´El Rei que o maior vate português não pode estar ao serviço do fado.

Pois, eu penso exactamente o contrário. Apenas gosto de fado quando ele assenta num bom poema, para além, necessariamente, da música que tem que ter qualidade.

Amália Rodrigues soube fazê-lo muito bem, em dada altura da sua carreira, como acontece neste fado, criado a partir do poema “Abandono”, de David Mourão-Ferreira.

Espírito do tempo

           Passagem do tempo por um banco do jardim de Massamá

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A maior dor humana

Camilo Castelo Branco foi um dos maiores escritores portugueses, dos mais fecundos sem dúvida.

Escreveu também poesia, uma faceta pouco conhecida. Temos de reconhecer que foi um poeta porventura medíocre.

Porém, no dia de hoje, estou obrigado a roubar-lhe o título de um soneto que ele escreveu, inspirado pela morte sucessiva dos dois filhos de Teófilo Braga.

A maior dor humana

Que imensas agonias se formaram
sob os olhos de Deus! Sinistra hora
em que o homem surgiu! Que negra aurora,
que amargas condições o escravizaram!

As mãos, que um filho amado amortalharam,
erguidas buscam Deus. A Fé implora...
E o céu, que respondeu? As mãos baixaram
para abraçar a filha morta agora.

Depois um pai em trevas vai sonhando,
e apalpa as sombras deles onde os viu
nascer, florir, morrer! Desastre infando!

Ao teu abismo, pai, não vão confortos...
És coração que a dor empederniu,
sepulcro vivo de dois filhos mortos.


Camilo Castelo Branco

terça-feira, 22 de novembro de 2011

A modernidade de Fialho de Almeida

                (Retrato pintado por Columbano Bordalo Pinheiro)
                                        
Li no jornal “Público” de hoje que está decorrer em Lisboa, de 21 a 25 do corrente mês, no Palácio da Independência, sede da Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP), o Colóquio Internacional Portugal no Tempo de Fialho de Almeida.

Pretende chamar a atenção não apenas para um prosador de elevado mérito mas também para um dos mais esquecidos precursores da nossa modernidade.

Fialho de Almeida nasceu em Vila de Frades em 7 de Maio de 1857 e morreu em Cuba em 4 de Março de 1911. Foi jornalista e escritor pós-romântico português.

Realizou os estudos secundários num colégio de Lisboa, entre 1866 e 1871. Empregou-se numa farmácia e formou-se em Medicina entre 1878 e 1885.

No entanto, não seguiu a carreira profissional, tendo-se dedicado ao jornalismo e à literatura. Em 1893, voltou à sua terra natal, onde desposou uma senhora abastada, que faleceu logo no ano seguinte. Tornou-se lavrador em Cuba, mas continuou a publicar artigos para jornais e a escrever vários contos e crónicas. Entre as suas obras mais notáveis, encontram-se os cadernos periódicos Os Gatos, redigidos entre 1889 e 1894, que seguiram a mesma linha crítica d'As Farpas, de Ramalho Ortigão.

Todavia, a obra de Fialho de Almeida tem sido vista como fragmentária e de qualidade desigual, mas esse carácter, um tanto anárquico, é justamente um dos aspectos que levou a primeira geração modernista, sobretudo Fernando Pessoa, a render-lhe homenagem.

Segundo consta do citado artigo, várias das comunicações deste congresso associam justamente Fialho de Almeida a Fernando Pessoa, em particular ao seu semi-heterónimo Bernardo Soares, seu confesso admirador. Muito interessante…

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Um poema ao corpo




Acabo de reler o romance Em Nome da Terra, de Vergílio Ferreira, escrito em 1989.  Releio muito e espanto-me sempre, porque percebo melhor o que leio, sempre de uma maneira diferente, mais clara, mais lúcida. E isso dá-me muito prazer.

Em Nome da Terra é um poema ao corpo. Corpo deformado, envelhecido pelo tempo, corpo belo da juventude, corpo eterno. João, o protagonista viúvo, reformado e carcomido pela idade, recolhe-se a uma casa de repouso para não ser um peso à família e à sociedade. À filha Márcia deixara-lhe tudo: a casa, os móveis, os livros. Consigo levou apenas a memória, um Cristo mutilado, um desenho de Dürer, uma estampa a cores de um fresco de Pompeia associados em tríptico, e um concerto para oboé de Mozart. Os quatro motivos materiais são aquilo que chamamos os símbolos deste romance. É com eles e por eles que João vai tecer analogias relativas ao corpo, à morte, ao esplendor e à beleza. São uma das linhas orientadoras da reflexão do escritor ao longo de toda a narrativa, já que tinha esses objectos no seu quarto do lar e em todas as horas se defrontava com eles.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

José Saramago

Se fosse vivo, o escritor José Saramago completaria, hoje, 89 anos. Para celebrar o aniversário, é feito hoje o lançamento oficial do livro Clarabóia.

«Claraboia é a história de um prédio com seis inquilinos sucessivamente envolvidos num enredo. Acho que o livro não está mal construído. Enfim, é um livro também ingénuo, mas que, tanto quanto me recordo, tem coisas que já têm que ver com o meu modo de ser».  Disse José Saramago.

Comprei o livro há uns dias. Vou a meio, mas dá para ver que estamos perante um livro de início de carreira e como José Saramago progrediu, e de que maneira, na sua forma de escrever.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011


Grandes Livros é uma série documental da RTP-2 que dedicou cada um dos seus 12 episódios a uma obra-prima da literatura nacional e ao seu autor.

A RTP-2 está a repetir essa série e ontem assisti ao episódio dedicado ao romance Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio.

Mau Tempo no Canal é um romance publicado em 1949. A acção decorre nas ilhas do Faial, Terceira, Pico e na ilha de São Jorge entre 1917 e 1919 e retrata a sociedade açoriana, mais justamente, a sociedade estratificada da cidade da Horta, local onde decorre a intriga principal e onde Vitorino Nemésio se encontra nesta altura da sua vida.

Mau Tempo no Canal conta, num ritmo lento, uma quantidade de histórias numa só, é uma trama que enreda uma série de sucedidos e cujo ponto de apoio mais evidente é a relação entre dois personagens (pouco apaixonante), entre duas famílias e entre dois estratos sociais.

O ritmo é, na verdade, bastante lento. Vitorino Nemésio excede-se em pormenores acerca da sociedade açoriana e não resiste em mostrar a sua erudição acerca de uma grande variedade de assuntos, estendendo em demasia o romance.

De todo o modo, parece não haver dúvidas que estamos perante uma das principais narrativas em língua portuguesa da primeira metade do Séc. XX, a par de, segundo os críticos, de Húmus, de Raul Brandão, A Confissão de Lúcio, de Mário de Sá-Carneiro e O Jogo da Cabra, de José Régio.

domingo, 13 de novembro de 2011

Um poema de Sophia


MEDITAÇÃO DO DUQUE DE GANDIA
SOBRE A MORTE DE ISABEL DE PORTUGAL


Nunca mais
a tua face será pura limpa e viva,
nem teu andar como onda fugitiva
se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
do teu ser. Em breve a podridão
beberá os teus olhos e os teus ossos
tomando a tua mão na sua mão.

Nunca mais amarei quem não possa viver
sempre,
porque eu amei como se fossem eternos
a glória, a luz e o brilho do teu ser,
amei-te em verdade e transparência
e nem sequer me resta a tua ausência,
és um rosto de nojo e negação
e eu fecho os olhos para não te ver.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.

Sophia de Mello Breyner Andresen

sábado, 12 de novembro de 2011

Malabarice, que palavra curiosa!

Há dois dias, liguei a televisão quando estava a transmitir, num dos canais, em directo da Assembleia da República, a discussão do Orçamento para 2012.

De repente, a minha alma exaltou. «Malabarice é filho de malabarismo com aldrabice», disse o bloquista Louçã, que então discursava.

Malabarice, que palavra curiosa!

Percebi, depois, que respondia ao nosso Primeiro-Ministro que antes havia dito “O Orçamento para 2012 não tem malabarices com as cativações como aconteceu no passado".

Eu não sei onde é que o nosso Primeiro-Ministro foi buscar este vocábulo. Será que o nosso Primeiro-Ministro anda a ler Mia Couto? Não vejo outra fonte de inspiração possível. Se foi, está de parabéns.

Mia Couto tem já no panorama da literatura portuguesa um estatuto incontestado que se deve não só à forma como descreve e trata os problemas, mas principalmente à inventiva poética da sua escrita, numa permanente descoberta de novas palavras.

Mia Couto é um mágico da língua, criando, apropriando, recriando, renovando a língua portuguesa.

Mas agora, pelos vistos, Mia Couto tem, quando menos se esperava, um concorrente de peso na recriação da língua portuguesa.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira

Há dois dias, na companhia dos meus amigos do Clube de Leitura Roque Gameiro, visitei o Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, que está instalado num belo edifício projectado pelo arquitecto Alcino Soutinho.

O Neo-Realismo foi uma corrente artística de meados do século XX, com um carácter ideológico marcadamente de esquerda marxista e este aspecto, ainda que subtilmente, está patente em toda a exposição.
A primeira impressão dos visitantes, logo ao entrar, é a figura tutelar do escritor Alves Redol. O rés-do-chão é exclusivamente dedicado a Alves Redol, sendo o espaço da entrada principal do edifício ocupado, magnanimamente, por uma estátua sua, da autoria do escultor Lagoa Henriques. Nos outros dois andares, a figura deste escritor nunca deixa de estar bem presente.

Alves Redol compreendeu a literatura como forma de intervenção social, sendo um dos seus primeiros romances, Gaibéus, de 1939, considerado um dos textos literários fundadores da narrativa neo-realista. Tal postura valeu-lhe um grande êxito junto de um grande público, mas também, ao mesmo tempo, um ataque da crítica, que apontava como deficiências de escrita a linguagem simples da sua prosa. Acusações que o próprio Alves Redol de certa forma aceitou, vindo a afirmar, nos anos 60, que "Este romance não pretende ficar na literatura como obra de arte. Quer ser, antes de tudo, um documentário humano fixado no Ribatejo. Depois disso, será o que os outros entenderem". Pode-se dizer que a sua obra evoluiu de uma primeira fase mais impulsiva para uma outra caracterizada por um maior amadurecimento de análise e por um maior aperfeiçoamento formal. O romance Barranco dos Cegos, publicado em 1962, é considerada a sua melhor obra.

Por agora, deixo aqui uma pergunta. Será que a obra de Alves Redol se sobreleva assim tanto sobre a dos restantes vultos neo-realistas (Soeiro Pereira Gomes, Manuel da Fonseca, Carlos Oliveira, Mário Dionísio, Joaquim Namorado, Fernando Namora, etc..) justifica o destaque que o Museu lhe outorga?

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O poeta do Marão

«O aperfeiçoamento da Humanidade depende do aperfeiçoamento de cada um dos indivíduos que a formam. Enquanto as partes não forem boas, o todo não pode ser bom. Os homens, na sua maioria, são ainda maus e é, por isso, que a sociedade enferma de tantos males. Não foi a sociedade que fez os homens; foram os homens que fizeram a sociedade».
Teixeira de Pascoaes, in "A Saudade e o Saudosismo"

Passam hoje 134 anos sobre o nascimento de Teixeira de Pascoais, poeta e escritor português, representante do Saudosismo.

Passou maior parte da sua vida no solar de família em São João de Gatão, perto de Amarante, com a mãe e outros membros da sua família. Dedicou-se à gestão das propriedades, à incansável contemplação da natureza e da sua amada Serra do Marão.

Em Maio último estive na casa de São João da Gatão, aonde fui como peregrino. A família insiste em manter na sua posse o espólio do poeta, mas eu, depois de ver o que vi, estou longe de pensar que seja a melhor solução. É pena.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

A inspiração dos poetas

Ruy Belo nasceu em 1933, em São João da Ribeira, Rio Maior e morreu em 1978, em Queluz, com apenas 55 anos. Foi poeta e ensaísta.

Apesar do curto período de actividade literária, Ruy Belo tornou-se um dos maiores poetas portugueses da segunda metade do século XX, tendo as suas obras sido reeditadas diversas vezes.

A passagem dos 50 anos sobre a publicação da primeira obra de Ruy Belo, Aquele Grande Rio Eufrates, é assinalada, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, com um colóquio internacional, que decorre hoje e amanhã.

Sobre este evento, a Antena 1 foi ouvir, hoje, a viúva do poeta, Maria Teresa Belo. Conta ela que ambos gostavam muito de nadar na praia e que até tinham o hábito de se afastarem um bocado da costa e que, numa dessas vezes, poeta disse de repente para a mulher:
- Vamos depressa para a praia porque tenho aqui um poema para escrever já.
Ai esta inspiração dos poetas que chega quando menos se espera!

Também uma vez, andando à caça em S. Martinho de Anta, que tanto amava, o Miguel Torga falhou um tiro a uma perdiz. Logo, um companheiro lhe disse:
- Como falhou o tiro, Doutor?
- Estava-se-me a desenrolar um poema - respondeu o Miguel Torga.
Ai esta inspiração dos poetas!

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O Seminarista

Acabei de ler há dias um romance do escritor brasileiro Rubem Fonseca, O Seminarista. Trata-se de um romance curto, movimentado e, como um filme de Quentin Tarantino, divertido apesar das cenas ultraviolentas.

O personagem principal do romance O Seminarista chama-se José, gosta de árvores, torce pelo Vasco da Gama, considera o vinho a única bebida digna de acompanhar uma refeição, ouve rock, é apaixonado por poesia. Torce pelo Vasco da Gama, equipa carioca associada aos descendentes de portugueses, como ele.

Rubem Fonseca nasceu em 1925, no Brasil, em Juiz de Fora. É formado em Direito, tendo exercido várias actividades antes de se dedicar inteiramente à literatura. Em 2003 venceu o Prémio Camões, o mais prestigiado galardão literário para a Língua Portuguesa.

A cor da liberdade

Passam hoje 92 anos sobre o nascimento de Jorge de Sena, o poeta que não queria morrer sem saber qual a cor da liberdade.

Não hei-de morrer sem saber
Qual a cor da liberdade.
Eu não posso senão ser
Desta terra em que nasci.
Embora ao mundo pertença

E sempre a verdade vença,
Qual será ser livre aqui,
Não hei-de morrer sem saber.
Trocaram tudo em maldade,
É quase um crime viver.

Mas embora escondam tudo
E me queiram cego e mudo,
Não hei-de morrer sem saber
Qual a cor da liberdade.

1974

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Viagem a Portugal

                                          
                            Igreja da Misericórdia de Penamacor

Igreja manuelina provavelmente construída no início do Séc. XVI, onde se destaca a inegável harmonia dos diferentes elementos do portal.

sábado, 29 de outubro de 2011

Vou passar a noite a Sintra...

Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,
Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em Lisboa.
Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo, sem conseqüência,
Sempre, sempre, sempre,
Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,
Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da vida...

Álvaro de Campos, in Ao Volante do Chevrolet (excerto)

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Gaibéus


  






«Do Alto Alentejo e da Beira Baixa, eles descem às lezírias pelas mondas e ceifas. Gaibéus lhes chamam».




O romance Gaibéus, de Alves Redol, foi publicado pela primeira vez em 1939, inaugurando, em Portugal, o movimento neo-realista em Portugal.

O Neo-Realismo foi uma corrente artística de meados do Século XX, com um carácter ideológico marcadamente de esquerda/marxista, assumindo, quer na prosa, quer na poesia, uma dimensão de intervenção social, agudizada pelo pós-guerra e pela sedução dos sistemas socialistas que o clima português de ditadura mitificava.

Como o próprio Alves Redol viria a reconhecer em 1965, Gaibéus «não pretende ficar na literatura como obra de arte. Quer ser, antes de tudo, um documentário humano fixado no Ribatejo». Por mim, não acrescentaria mais nada.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O capitão Falcão

Entrei em Mafra no dia 7 de Outubro de 1971 para fazer a recruta.  Logo nos primeiros dias, o capitão Falcão, Comandante da Companhia,  perguntou quem queria ir a Fátima nos dias 12 e 13 de Outubro.

Para ficar liberto por dois dias do sepulcro do quartel e para fugir ao calvário das marchas penosas, não hesitei um segundo. Em Fátima, montámos as tendas e foi-nos distribuído um talher completo para o rancho. No dia 14, já no quartel, veio a ordem para os talheres serem entregues até ao meio-dia. Eu, com mais alguns do meu pelotão, apertados pelo rigor do horário militar, não fiz a entrega dos ditos talheres.

Na formatura das 14 horas, depois do almoço, os recrutas em falta foram chamados ao gabinete do Comandante de Companhia. O capitão Falcão vociferou: «Desapareceu, no almoço de hoje, um número de talheres igual àquele que vocês deveriam ter entregado até ao meio-dia e não entregaram». Logo, conclusão de militar, «foram vocês que retiraram os talheres do refeitório para poderem agora fazer a entrega que não fizeram. Bem, para não vos estragar a vida já, vocês pagam o valor dos talheres e o assunto fica resolvido». Os recrutas, trementes de terror,  ripostaram com  a versão correcta dos factos.  O capitão Falcão, vermelho de raiva, fulminou-nos: «Bem, não querem pagar, o assunto vai seguir a sua tramitação e vocês não se livram de uma valente “porrada"». O Piçarra, que era do grupo o mais experimentado, ousou: «Meu capitão, pode dar-me uma “porrada”, mas eu não pago, porque não roubei nada». Os restantes recrutas solidarizaram-se e o Capitão Falcão mandou-nos sair, aos gritos.

Enfim, para início de tropa, uma novela com todos os contornos duma narrativa Kafkaniana.

No final, os talheres, que estavam guardados na caserna, foram entregues. Não houve, nem podia haver, castigo algum. Folha limpa, portanto.

O capitão Falcão teve uma entrada de falcão…e uma saída de sendeiro. Isto aconteceu há, precisamente, 40 anos.

Quando eu nasci...

Neste dia, um agradecimento muito especial a minha mãe, através dos versos do poeta Sebastião da Gama:

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais …
Somente,
Esquecida das dores,
A minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém …

Pra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe.


Sebastião da Gama, in Serra-Mãe

domingo, 9 de outubro de 2011

Por vezes, sinto até saudades minhas...


Que saudades eu sinto desta flor,
Que vai murchar!
E desta gota de água e de esplendor,
Um pequenino mundo que é só mar.
E desta imagem que por mim passou
Misteriosamente.
E desta folha pálida e tremente
Que tombou...
Da voz do vento que me deixa mudo,
E deste meu espanto de criança.
Que saudades de tudo eu sinto, porque tudo
É feito de lembrança...

Teixeira de Pascoaes, in Versos Pobres (1949)

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Quando eu fui para a tropa

Passam hoje 40 anos que eu entrei na Escola Prática de Infantaria, em Mafra. Iniciei, então, o cumprimento do Serviço Militar Obrigatório, que me levaria, após a recruta ali realizada, até Lamego, Évora, Abrantes, Santa Margarida e, por fim, Angola.

Naquele já longínquo dia 7 de Outubro de 1971,  à chegada deram-me as Boas-Vindas, entregando-me um pequeno papel com o número mecanográfico, onde se podia ler: Seja bem-vindo!

Oh, suprema ironia!

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Moços que parecem homens e nunca foram meninos



Esteiros. Minúsculos canais, como dedos de mão espalmada, abertos na margem do Tejo. Dedos das mãos avaras dos telhais que roubam nateiro às águas e vigores à malta. Mão de lama que só rio afaga.



Li os Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes, possivelmente em 1972, numa edição da colecção “Livros de Bolso Europa-América”, não tendo sido por acaso que o editor o escolheu para iniciar uma nova colecção.

Reli-o agora, porque tenciono visitar, brevemente, o Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira.

Esteiros foi publicado em 1941. Integra-se na estética do neo-realismo e retrata o trabalho infantil na vila de Alhandra.

A obra narra a vida de jovens trabalhadores que, nas margens dos esteiros do Rio Tejo, fabricam peças de barro nos telhais.

Gineto, Gaitinhas, Malesso, Maquineta, tantos outros, são os operários-meninos dos telhais à beira dos esteiros do Tejo. Sujeitos à dureza do trabalho quando o conseguem arranjar, vadiam e roubam para comer durante o resto do tempo. Apesar de tudo, sonham.

Esta é história dos rapazitos miseráveis dos esteiros do Tejo.

Este é o romance dos “moços que parecem homens e nunca foram meninos”.

domingo, 25 de setembro de 2011

Os nossos poetas

Ontem, passei pelo Parque dos Poetas, em Oeiras. Já conhecia, mas não havia prestado a devida atenção aos poetas que são ali homenageados. O parque é atravessado pela Alameda dos Poetas, com espaços (chamadas “ilhas”) reservados aos nossos poetas. Nesta primeira fase, estão ali expostas 20 esculturas de poetas do Séc. XX: Teixeira de Pascoaes, Florbela Espanca, José Gomes Ferreira, Miguel Torga, Sophia de Mello Breyner, Natália Correia, Eugénio de Andrade, Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro, Alexandre O`Neill, Camilo Pessanha, José Régio, Vitorino Nemésio, Jorge de Sena, Carlos Oliveira, Manuel Alegre, David Mourão Ferreira, António Gedeão, Ruy Belo e António Ramos Rosa.

A Câmara Municipal de Oeiras, ao que se sabe, consultou 4 Organismos competentes na matéria para fazer a selecção dos poetas a integrarem esta 1ª fase. A escolha é, para mim, quase consensual. Embora reconhecendo que nunca é fácil uma escolha desta natureza, tenho muita pena que o poeta Sebastião da Gama não faça parte desta galeria. O poeta da Arrábida, como é conhecido, morreu muito novo, aos 27 anos, mas deixou uma obra que se caracteriza por uma elevada singularidade.

Ao que li, o projecto inicial do Parque dos Poetas foi de David Mourão-Ferreira, o qual, tenho a certeza, ficaria muito satisfeito se tivesse agora, perto de si, o seu grande amigo Sebastião da Gama. É pena. David Mourão-Ferreira iria ler, muitas vezes, estou certo, o que escreveu a propósito dos passeios que ambos davam pela Arrábida: «…ora aguardando-nos, à chegada da trôpega camioneta que nos tinha levado até Vila Nogueira de Azeitão, para logo a seguir nos arrastar a pé, serra acima, serra abaixo, por veredas de que só ele detinha o segredo, a fim de melhor nos fazer ver ou rever todos os recantos, todos os encantos da sua Arrábida». É pena...

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Os livros do ano em que eu nasci

No ano em que nasci, o José Saramago escreveu o seu primeiro livro. Era para se chamar A VÍUVA, mas a Editora convenceu-o a mudar o nome para TERRA DO PECADO. Era o ano de 1947.

Por curiosidade, fui ler o livro que já andava na minha estante há alguns anos. Sem grande expectativa, devo confessar.

Como o próprio Saramago diz, o autor era um rapaz de 24 anos, calado, metido consigo, que ganhava a vida nos serviços administrativos dos Hospitais Civis de Lisboa e teve, como primeira estante para livros, uma prateleira interior do guarda-louça familiar.

Na capa do livro refere-se OBRA DE JUVENTUDE. Não se pode pedir muito a quem se inicia nas lides literárias. O livro teve mesmo pouco sucesso, “terminando a pouco lustrosa vida nas padiolas”, como reconhece o próprio Saramago.

O livro que foi escrito no ano em que eu nasci. Curioso, e se me desse ao trabalho de ir à descoberta de outros livros dados à estampa em 1947? Vamos a isso…

domingo, 11 de setembro de 2011

Santo Antero

                         (retrato de Columbano Bordalo Pinheiro, 1889)


No dia 11 de Setembro do ano de 1891 (há 120 anos), morreu o poeta Antero de Quental, a quem Eça chamava o nosso Stº Antero.

Escreveu o soneto "NA MÃO DE DEUS", oração que podia ser dita por um de nós:

Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

José Saramago, o viajante

O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre."

A minha relação de amor-ódio com o José Saramago não pára nunca. Nestas férias, li a Viagem a Portugal, livro agora reeditado pela Caminho.  Não é um guia turístico, como ele diz, mas (tenho a certeza) vai ajudar nas minhas (raras) investidas pelo país. O livro é um deleite. Uma agradável surpresa.

Viagem a Portugal é uma colecção de crónicas escritas, em 1981, ao longo da sua viagem por todas regiões de Portugal Continental. Entra nas igrejas e museus, passeia por ruínas e castelos, fala sobre estilos arquitectónicos, conhece azulejistas, pintores, escultores. Ele escreve dando as suas opiniões. Conta incidentes, faz amizades pelo caminho. Esta edição não traz fotos, o que é uma pena, mas sei que existe uma edição com fotografias tiradas por Maurício Abreu, que então acompanhou o Saramago. Tenho agora a certeza que há muito pouca gente em Portugal que tenha entrado em tantas igrejas. Chega a impressionar os quilómetros que ele anda para conhecer uma pequena capela por algum motivo em especial e o número de portas a que tinha de bater para ter a chave da igreja. Para um ateu, como o Saramago, é obra…

domingo, 24 de julho de 2011

A Leste do Paraíso

A RTP2 passou, já nas primeiras horas de hoje, o filme “A Leste do Paraíso”, de Elia Kazan, inspirado no livro, com o mesmo título, de John Steinbeck. É um filme de 1955, considerado um clássico e ganhou, parece, mais que um Óscar. O desempenho de James Dean, no papel de Cal Trask, é colossal. John Steinbeck, que era um escritor místico, aproveitou para nos apresentar uma releitura da história bíblica de Caim (Cal Trask) e de Abel (Aaron Trask).

O filme é feito apenas, como não podia deixar de ser, de uma linha principal, explorando os lados mais ajustados ao registo cinematográfico. Diferenças principais ou aspectos que me surpreendem: a proximidade entre Cal e Abra (namorada do irmão), o que não acontece no livro; imaginei que a Kate (a mãe dos dois irmãos que os abandona ainda muito pequenos), fosse mais bonita; o papel quase apagado do Lee, o “China”;

O final do filme é apresentado de forma bastante diferente, na medida em que Abra toma o papel do Lee. No filme, é Abra que incentiva Adam (o patriarca da família), num último esforço, antes de morrer, a perdoar o filho Cal, a dar-lhe, finalmente, uma palavra de amor, uma atitude que não fosse, como habitualmente, de total desdém, em flagrante contraste com o tratamento dado ao outro filho Aaron.

No livro, o Adam diz apenas a palavra Timshel, antes de fechar os olhos e adormecer para sempre. Contudo, esta palavra é, para Cal, redentora, e basta. Trata-se de uma palavra hebraica, que significa “Tu Podes”. Em termos filosóficos, é talvez, segundo a tese do autor do livro, a palavra mais importante do Mundo. Significa que o caminho está aberto. A responsabilidade incumbe ao homem, pois, se “tu podes”, também é verdade que “tu não podes”. “Tu podes” é algo que engrandece o homem e o eleva ao tamanho dos deuses, porque, apesar de todos os seus erros, é ele (o Homem) ainda quem dispõe da escolha. Pode escolher o caminho, lutar para o percorrer, e vencer. O realizador do filme opta por um final mais ligeiro, retirando, em minha opinião, esta carga filosófica. Assim, Adam, incentivado por Abra, acaba por, finalmente, e por uma única vez na vida, pedir um favor ao filho, que este acata.

Por último, tenho de referir uma cena muito forte, aquela em que o Cal, sempre desprezado pelo pai, quer,  como último recurso, comprar o seu amor. Então, e aproveitando o dia de aniversário do pai, preparou um festa e deu-lhe, de presente, um elevado montante em dinheiro, como forma de o compensar do elevado prejuízo resultante do negócio das alfaces e, no fundo, tentar conquistar o seu amor. O pai reagiu mal e, mais uma vez, arrasou o Cal, na presença do outro filho, que, em contrapartida, foi elogiado. O Cal fica de rastos, destroçado,  levando-o à revolta e, desta vez, à vingança (levou o irmão a conhecer a mãe que era uma prostituta).

Bem, estamos, definitivamente, perante um bom livro e um bom filme, o que raramente acontece…

terça-feira, 19 de julho de 2011

Memorial do Convento

Era uma vez um rei, D. João V, Rei de Portugal, rico e poderoso. Preocupado com a falta de descendentes, promete levantar um convento em Mafra, se tiver filhos da rainha;

Era uma vez Baltasar Sete-Sóis, maneta, chega a Lisboa como pedinte. Conhece Blimunda, ajuda na construção da passarola e morre num auto-de-fé;

Era uma vez Blimunda Sete-Luas, com capacidades de vidente, vê entranhas e vontades nas pessoas, ajuda na construção da passarola, partilha a sua vida com Baltasar;

Era uma vez um padre, Padre Bartolomeu de Gusmão, evita, durante algum tempo, a Inquisição devido à amizade com o Rei. Com a ajuda de Baltasar e de Blimunda, constrói a passarola. Perseguido, de novo, pela Inquisição, foge para Castela, vindo a morrer em Toledo;

Era uma vez um povo, O Povo de Portugal, construiu o convento em Mafra, à custa de muitos sacrifícios e até mesmo algumas mortes;

Era uma vez um livro, Memorial do Convento, que eu acabo de revisitar e que, se Deus quiser (quer o José Saramago queira ou não), ainda hei-de voltar a ler. Há livros assim…

domingo, 17 de julho de 2011

Os livros que eu li

Como anunciado, acabei ler, já há uns dias, o Dom Casmurro, do Machado de Assis.

O livro foi publicado em 1900 e é um dos romance mais conhecidos de Machado de Assis. Narra em primeira pessoa a história de Bentinho que, por circunstâncias várias, se vai fechando em si mesmo e passa a ser conhecido como Dom Casmurro. A história é a seguinte: Órfão de pai, criado com desvelo pela mãe (D. Glória), protegido do mundo pelo círculo doméstico e familiar (tia Justina, tio Cosme, José Dias), Bentinho é destinado à vida sacerdotal, em cumprimento de uma antiga promessa de sua mãe.

A vida do seminário, no entanto, não o atrai. Como tal, inicia o namoro com Capitu, filha dos vizinhos. Apesar de comprometida pela promessa, também D. Glória sofre com a ideia de separar-se do filho único. Por expediente de José Dias, Bentinho abandona o seminário e, em seu lugar, ordena-se um escravo.

Correm os anos e com eles o amor de Bentinho e Capitu. Entre o namoro e o casamento, Bentinho forma-se em Direito e estreita a sua amizade com um ex-colega de seminário, Escobar, que casa com Sancha, amiga de Capitu.

Do casamento de Bentinho e Capitu nasceu Ezequiel. Escobar morre e, durante seu enterro, Bentinho julga estranha a forma pela qual Capitu contempla o cadáver. A partir daí, os ciúmes vão aumentando e precipita-se a crise. À medida que cresce, Ezequiel torna-se cada vez mais parecido com Escobar. Bentinho, muito ciumento, chega a planear o assassinato da esposa e do filho, seguido de suicídio, mas não tem coragem. A tragédia dilui-se na separação do casal.

Capitu viaja com o filho para a Europa, onde morre anos depois. Ezequiel, já adolescente, volta ao Brasil para visitar o pai, que apenas constata a semelhança entre ele e o antigo colega de seminário. Ezequiel volta a viajar e morre no estrangeiro. Bentinho, cada vez mais fechado nas suas dúvidas, passa a ser chamado de casmurro pelos amigos e vizinhos e põe-se a escrever a sua vida (o romance).

Até meio do romance, sucedem-se os estratagemas de Bentinho para não seguir a vida eclesiástica. Eu estava curioso para ver a fórmula final que o autor ia encontrar para fechar este enredo. Por instantes, pensei no António da “Manhã Submersa”, do Vergílio Ferreira. Não, o Machado de Assis não foi por aí. Com pena minha…

terça-feira, 21 de junho de 2011

Machado de Assis

Passam hoje 172 anos que nasceu, no Rio de Janeiro, o escritor Machado de Assis (1839-1908), filho de uma lavadeira açoriana, aquele que veio a ser considerado o grande pioneiro do realismo da literatura brasileira, sobretudo com MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS e DOM CASMURRO.

Machado de Assis fundou e foi o primeiro presidente, eleito por unânimidade, da Academia Brasileira de letras.

DOM CASMURRO vai ser a minha próxima leitura.

Antes, apenas li O ALIENISTA, narrativa em que o autor pretende chamar a atenção para a mentalidade cientificista que marcou o Séc. XIX. Trata-se de uma abordagem satírica e irónica da necessidade de justificar os excessos da ciência como uma condição para os avanços no futuro. Casa Verde, onde decorre a narrativa, acolhe todos os “loucos”, mas, no final, o único “louco” é o médico Simão Bracamarte, a personagem principal.

sábado, 11 de junho de 2011

A Minha Guerra - II

Há coisas na nossa vida que deixam marcas indeléveis para sempre.
A minha participação na Guerra Colonial, como aconteceu com outros da minha geração, é uma delas. Convém manter viva essa memória.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Luís de Camões na Casa Fernando Pessoa

No dia 7 deste mês, teve lugar na Casa Fernando Pessoa uma conferência sobre “Os Lusíadas”, de Luís de Camões, apresentada por Vasco Graça Moura, no âmbito do ciclo de conferências denominado “Livros Difíceis”.

Vasco Graça Moura fez uma exposição essencialmente académica. Portanto, nada a dizer.

Vasco Graça Moura considera Camões o maior vulto de toda a história portuguesa, por ter sido o fundador da língua portuguesa moderna. Logo, só há que respeitar.

A exposição foi totalmente consensual? Quase. No final, só duas questões, mas apenas a primeira é merecedora aqui da nossa atenção. Alguém colocou a seguinte questão: «Fernando Pessoa foi mesmo um anti-camoniano?» Argumentou o ouvinte ser arriscado afirmar que FP não foi um apreciador da obra de Camões, pois, como ele próprio afirmara, o poeta era um fingidor e, assim, o que ele dissera não seria para levar a sério.

VGM iniciara a sua exposição dizendo, justamente, que não deixava de ser irónico falar de “Os Lusíadas”, na casa de alguém que não apreciava Camões e que ele próprio se achava um super-Camões.

O orador teve, então, oportunidade para fundamentar o seu ponto de vista, apresentando, em sua defesa, os factos:

1. Fernando Pessoa escreveu, em 1934, um texto acerca de Camões, desvalorizando a sua obra;

2. No dia 7 de Abril de 1914, respondendo a um inquérito sobre «qual é o mais belo livro português dos últimos trinta anos?» para o jornal «República», Fernando Pessoa considerou a “Pátria” de Guerra Junqueiro como sua eleição, colocando-a mesmo à frente de “Os Lusíadas;

3. Fernando Pessoa não dedicou no seu livro “Mensagem” qualquer poema de exaltação a Camões, como o fez com tantas figuras da História de Portugal.

Tendo a concordar com VGM. Fernando Pessoa não apreciou de sobremaneira a obra de Camões, mas, nesse aspecto, como se sabe, não esteve isolado.

Há, na verdade, há alguns aspectos da obra que poderão ser discutidos (corresponde a narrativa camoniana ao modo realista e existencial, vivido pelos portugueses na sua peregrinação pelo mundo?), mas não são suficientes para deixar de considerar “Os Lusíadas” a epopeia portuguesa por excelência.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

A Nossa Senhora

Ainda a visita à Casa Museu José Régio, do passado dia 25 de Maio passado. Ao passar diante de uma bela imagem de madeira, a guia reuniu o grupo e explicou:

Esta imagem  de Nossa Senhora, em vida do poeta, estava ali ao cimo das escadas, logo à direita. Sempre que entrava em casa, José Régio falava com ela e, um dia, até lhe compôs um poema. A guia pegou num papel que estava na base da imagem e declamou esse belo poema:

Nossa Senhora
Tenho ao cimo da escada, de maneira
Que logo, entrando, os olhos me dão nela,
Uma Nossa Senhora de madeira,
Arrancada a um Calvário de Capela.

Põe as mãos com fervor e angústia.
O manto cobre-lhe a testa, os ombros, cai composto;
É uma expressão de febre e espanto;
Quase lhe afeia o fino rosto.

Mãe de Deus, seus olhos enovoados
Olham, chorosos, fixos muito além...
E eu, ao passar, detenho os passos apressados,
Peço-lhe – “ A sua benção, Mãe!”

Sim, fazemo-nos boa companhia
E não me assusta a Sua dor: quase me apraz
O filho dessa Mãe nunca mais morre. Aleluia!
Só isto bastaria a me dar paz.

“-Porque choras, Mulher?” – Docemente a repreendo.
Mas à minh´alma, então, chega de longe a sua voz
Que eu bem entendo: - “Não é por Ele...”
“Eu sei! Teus filhos somos nós!”

O mesmo poema é a razão deste vídeo:




sexta-feira, 27 de maio de 2011

Toada de Portalegre




«Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Morei numa casa velha,
Velha, grande, tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela...»
(...)





Na Quarta-Feira passada, dia 25 de Maio, fui visitar, na companhia de mais 13 amigos, o Museu José Régio em Portalegre.


José Régio nasceu e morreu em Vila do Conde (1901-1969), mas viveu grande parte da sua vida em Portalegre, onde foi professor, quase 40 anos (1928 a 1967). Deixou uma obra multifacetada. Foi, para além de escritor, desenhador, pintor, um grande coleccionador de arte sacra e e popular.

Nesta cidade do Alto Alentejo, ele escreveu a maior parte dos seus livros e, nos momentos de lazer, vagueava pelos campos a adquirir antiguidades, tendo uma verdadeira paixão pelos crucifixos.


A casa espanta-nos pelo número de crucifixos expostos (não os contei, mas são para cima de 400). Crucifixos de madeira, de metal, de barros, cristos toscos, elegantes, esquisitos, serenos, agonizantes, zangados por serem o Messias, descrentes na ressurreição. Há mesmo um de marfim branco com rubis a fazer as gotinhas de sangue. Em Régio, temos um cristianismo de lamento e não de alegria pela manhã da Páscoa da Ressurreição.

Cristo

Quando eu nasci, Senhor! já tu lá estavas,
Crucificado, lívido, esquecido.
Não respondeste, pois, ao meu gemido,
Que há muito tempo já que não falavas.

Redemoinhavam, longe, as turbas bravas,
Alevantando ao ar fumo e alarido.
E a tua benta Cruz de Deus vencido,
Quis eu erguê-la em minhas mãos escravas!

A turba veio então, seguiu-me os rastros;
E riu-se, e eu nem sequer fui açoitado,
E dos braços da Cruz fizeram mastros...

Senhor! eis-me vencido e tolerado:
Resta-me abrir os braços a teu lado,
E apodrecer contigo à luz dos astros!

Estamos perante um poeta angustiado na procura religiosa, numa insaciável busca de Deus. Olhemos para este poema, onde ele nos dá o conhecer o seu Cristo, crucificado, agonizante, esquecido, mas que ele quer abraçar.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

O poeta do Marão


No último fim de semana fui até Amarante, para ver o Tâmega e o Marão. Ficará para sempre gravada, na minha memória, a visão do Tâmega, naqueles dias de águas barrentas, serpenteando aquelas terras de Portugal. Visitei a Igreja e o Convento de São Gonçalo de Amarante – aquele que atirou o bordão ao rio e onde ele encalhasse seria erguida a sua ermida e a sua casa.


No último dia, já no regresso, peregrinei até à Casa de Teixeira de Pascoaes, o cantor do Marão e do Tâmega. Hoje, existe ali uma unidade de alojamento em Turismo de Habitação. No entanto, foi preservado um espaço dedicado ao poeta, conservando-se ainda a sua biblioteca, assim como os seus objectos pessoais, estando o espaço organizado de modo a recriar a ambiência de trabalho do poeta.

A visita foi possível graças à simpatia da Sra. D. Maria Amélia, com quem dois dias antes, através de telefonema realizado ainda em Lisboa, havia aprazado essa visita para as 10h30m do dia 22 de Maio. Tudo aconteceu como combinado. Tive assim a oportunidade de visitar a casa, bem como parte da quinta. Os herdeiros de Teixeira de Pascoaes, sobretudo a Sra. D. Maria Amélia (foi casada com João de Vasconcelos, sobrinho do poeta) lutam por manter viva esta memória e, até à presente data, conservam na sua posse todo o espólio literário do poeta. Será a melhor solução?

Tive na mão o livro, O MUNDO FECHADO, que a Agustina Bessa-Luís escreveu e enviou ao Teixeira de Pascoaes, em 1948, com uma dedicatória. Eu já ouvira a Agustina contar esta história. O Teixeira de Pacoaes era então uma respeitável figura das letras em Portugal e Agustina achou por bem pedir a sua “benção” para o primeiro livro. De referir que a casa de Pascoaes se situa na freguesia de São João de Gatão e a Agustina nasceu na freguesia de Vila Meã, ambas pertencentes ao concelho de Amarante. Teixeira de Pascoaes não terá respondido ou a sua resposta perdeu-se, tendo este episódio deixado sequelas para sempre, como pude comprovar agora. E, pelo que me foi dito, fiquei curioso de ler o SUSTO, que a Agustina veio a escrever dez anos mais tarde.

Foi muito gratificante ver um recanto da biblioteca, com lareira, onde o poeta Pascoaes recebia os amigos que o visitavam, no íntimo desta sua casa natal e solarenga. Por lá passaram inúmeros intelectuais, nacionais e estrangeiros, como, entre outros, Eugénio de Andrade, Mário Cesariny, Raul Brandão, Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão.

Miguel Unamuno, poeta e filosofo espanhol, foi outro grande amigo de Pascoaes e visita frequente da casa de Gatão. Segundo conta Unamuno, em escrito de Fevereiro de 1908, depois de ter ter conhecido Pascoaes em Salamanca e o ter visitado depois no Porto, «de novo, já sem nos separarmos, tornei a conviver com Teixeira de Pascoaes, naquele recanto da sua Amarante, em meio do Portugal campestre e simples, pai do Portugal navegador e heróico».

Também eu, com Pascoaes e Unamuno, assomei àquela janela do miradouro, «para beber com os olhos a água do Tãmega, que vai

(...) compondo versos de neblina
Às arvores do monte, à dura fraga...
Elegias d´orvalho à luz divina,
Endeixas de remanso e cantos de água...»

Por fim, não posso deixar de recordar outro encontro de poetas nesta casa. Aconteceu em Setembro de 1951, quando Sebastião da Gama, o poeta da Arrábida, veio até Amarante, para visitar o poeta do Marão. Sebastião da Gama dizia que conhecemos os poetas no lugar que os fez. A propósito desse lugar que definitivamente dá feição aos poetas, disse então Teixeira de Pascoaes:  «A Arrábida é o altar do Mundo; eu pu-lo no Marão, porque sou daqui».

Regressei a Lisboa com a alma cheia de poesia, depois de visitar a casa do poeta que eu sempre vislumbrei de olhos fundos, de voz cansada, nevoento e pálido.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

A Minha Guerra

Já lá vão 37 anos, mas nunca é tarde. Eis um testemunho da minha participação na guerra colonial.

domingo, 15 de maio de 2011

Grandes Livros

Acabo de ler, ainda que tardiamente, Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio. É um romance publicado em 1949, sendo considerada uma das mais importantes narrativas da primeira metade do Século XX, em Portugal. A acção decorre nas ilhas do Faial, Terceira, Pico e na ilha de São Jorge entre 1917 e 1919 e retrata a sociedade açoriana, mais justamente, a sociedade estratificada da cidade da Horta, local onde decorre a intriga principal.

O livro começa com um namoro entre Margarida, filha de uma família aristocrática à beira da falência, e João Garcia, filho de Januário, pequenos burgueses com talento para o negócio mas escorraçados pelos primeiros, os Clark/Dulmo.

O pai de Margarida, Diogo, propõe-lhe que case com o tio Roberto, que virá de Londres e que, rico ainda, poderá salvar da desgraça os fidalgos arruinados seus parentes. Entretanto, Januário, pai de João, congemina vinganças contra os Clark Dulmo que tanto o despeitaram...

Mau Tempo no Canal conta, num ritmo lento, uma quantidade de histórias numa só, é uma trama que enreda uma série de sucedidos e cujo ponto de apoio mais evidente é a relação entre dois personagens (pouco apaixonante), entre duas famílias e entre dois estratos sociais.

Os afectos, as paixões e os amores surgem-nos inteiros, frescos, intensos. Entramos no coração de uma menina de boas famílias, dividida entre o amor original de um rapaz de família indesejada e o dever de alianças com famílias de bem. Neste livro, respira-se a maresia, sofremos a melancolia do mar, a sensação de lonjura, de liberdade e esperança: a sensação de ser ilhéu. Pode-se dizer, por isso, que estamos perante uma literatura regionalista.

No final, a Margarida acaba por fazer um casamento de acomodação, em face da fraqueza de João Garcia. O romance termina com Margarida, resignada, atirando o anel ao mar em sinal de renúncia.

domingo, 1 de maio de 2011

Cântico dos Cânticos

«Beije-me com os beijos da sua boca. Melhor as tuas carícias do que vinho. O aroma dos teus perfumes é melhor. Tua fama é odor que se derrama. Por isso as raparigas amam-te. Arrasta-me atrás de ti, corramos! Fez-me entrar o rei em sua penumbra. Folgaremos e alegrar-nos-emos contigo.»

Estes são os primeiros versículos do livro bíblico do Cântico dos Cânticos, que o actor e encenador Luís Miguel Cintra leu em Lisboa, na Capela do Rato, a 20 de Março.

A Igreja Católica, apenas um dia no ano, inclui na Liturgia da Palavra um excerto deste belo hino. É, pode dizer-se, uma leitura escondida,  reprimida.  Por isso, vale a pena ouvir:


 

terça-feira, 26 de abril de 2011

Paris, 26 de Abril de 1916

Fim

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.

Mário de Sá-Carneiro

segunda-feira, 25 de abril de 2011

O meu Capitão de Abril

A Salgueiro Maia

Aquele que na hora da vitória
respeitou o vencido

Aquele que deu tudo e não pediu a paga

Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite

Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com a sua ignorância ou vício

Aquele que foi «Fiel à palavra dada à ideia tida»
como antes dele mas também por ele
Pessoa disse.


Sophia de Mello Breyner Andresen

O sinal vermelho

A coluna do cap. Salgueiro Maia entra em Lisboa. De repente, estaca.
- Então, o que se passa agora? - pergunta Salgueiro Maia,
- É o sinal vermelho, meu capitão - Respondeu um soldado-condutor.
Que raio de revolução é esta que pára aos sinais vermelhos! - comenta o alferes Beato.

Acabo, agora,  mesmo de ver  na RTP-1, pela enésima vez, nos "Capitães de Abril". 

25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
e livres habitamos a substância do tempo.

Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, 20 de abril de 2011

O Eléctrico 28



O Eléctrico 28 foi seleccionado pela editora Rough Guide to the World como umas das 1.000 experiências de viagem mais importantes do mundo ("1.000 ultimate travel experiences"). O percurso do eléctrico, referido como uma viagem "slow-motion" pelo coração histórico da cidade de Lisboa.
Uma boa razão para um passeio por Lisboa, utilizando este meio de transporte. mais há ainda uma outra boa razão.
Fernando Pessoa nunca saiu de Lisboa. Ganhou o seu sustento como «correspondente estrangeiro», trabalhando em inúmeras firmas comerciais, todas situadas na Baixa de Lisboa. Nos últimos 15 anos de vida (1920-1935), morou na Rua Coelho da Rocha, nº 16, em Campo de Ourique. Como não tinha carro, o seu transporte de casa para o emprego era o eléctrico 28.
Antes de chegar ao bairro de Campo de Ourique, enquanto o eléctrico faz a viagem, Pessoa escreveu:
«Vou num carro eléctrico, e estou reparando lentamente, conforme é meu costume, em todo os pormenores das pessoas que vão adiante de mim. Para mim, os pormenores são coisas, vozes, letras. Entonteço. Os bancos do eléctrico levam-me a regiões distantes, multiplicam-se-me em vidas, realidades, tudo. Saio do eléctrico exausto e sonâmbulo. Vivi a vida inteira».

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Carta a Carlos Pinto Coelho

Nunca nos cruzámos, mas, hoje, escrevo-te esta carta por um motivo: o livro APARIÇÃO, de Vergílio Ferreira. Ontem, por mero acaso, navegando pelo YouTube, vi,  pela primeira vez, um programa da RTPN, o qual, com muita pena minha, eu desconhecia e estava a passar ao lado. O programa chama-se Ler+, Ler Melhor. Vi, então, na NET uns tantos programas atrasados. O primeiro vídeo mostra-nos a tua escolha. Para grande surpresa minha, a escolha foi APARIÇÃO, de Vergílio Ferreira. Espanto total! O “Sr. Acontece”, que me havia dado a conhecer tantos e bons livros, veio dizer que o livro da sua vida era a APARIÇÃO, de Vergílio Ferreira.
Aqui tens a razão desta minha carta.  Obrigado, amigo, por este tesouro:


Foi José Luis Borges que disse: «Sempre imaginei o paraíso como uma grande biblioteca».

Meu bom amigo, lá na tua nova morada, estás rodeado - tenho a certeza - de muitos livros e, num lugar de destaque, lá está o livro de capa amarela, que tanto te desassossegou quando, ainda jovem, o leste.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Grandes Livros

Acabo de ler PEREGRINAÇÃO, de Fernão Mendes Pinto. Não é tarefa fácil falar desta narrativa que se desenvolve ao longo de 226 capítulos e onde encontramos um número considerável de nomes exóticos: 530 nomes e apenas 186 (cerca de um terço) estão identificados.
Fernão Mendes Pinto tentou, como tantos outros, a sua sorte em terras do Oriente, embarcando para a Índia em 11 de Março de 1537. Regressou a Lisboa em 22 de Setembro de 1558.
Desiludido com a forma como foram recebidos os trabalhos que apresentou à rainha Dona Catarina (o Rei D. João III falecera no ano anterior), desabafou: «e nisto vieram a parar meus serviços de vinte e um anos, nos quais fui treze vezes cativo e dezasseis vendido...».
Podemos dizer, em resumo, que estamos perante uma narrativa que evidencia a desagregação do império, transformando os portugueses em grupos avulsos, divididos entre a missionação, a rapinagem e o confessado roubo.

Há que diga que esta narrativa é, por isso, um anti-Lusíadas. Afirmação curiosa!.
Mas será que, alguma vez, Fernão Mendes Pinto e Luís de Camões se cruzaram?.
Camões chegou à Índia em Setembro de 1553. Fernão Mendes Pinto, que já andava por aquelas terras há mais de 15 anos, passou por Goa, nos primeiros meses do ano de 1554, acompanhando o cadáver de Francisco Xavier, para ali ser enterrado, pois este padre jesuíta falecera dois anos antes em Sanchão quando ia a caminho da China.
É bem provável que tal encontro tenha acontecido, quer nos primeiros meses do ano de 1554, quer, depois, no ano de 1556, sendo Governador de Goa um tal Francisco Barreto, quando há notícia dos dois terem passado, nesse ano, por Goa.
Esta suposição não é despicienda, visto que há autores que admitem que Fernão Mendes Pinto e Luís de Camões se encontraram, nesta cidade, numa tertúlia, que incluiria ainda outras figuras, como Garcia de Orta e Diogo do Couto.
Anos mais tarde, Fernão Mendes Pinto regressou a Lisboa em 22 de Setembro de 1958, enquanto que o regresso de Luís de Camões a Lisboa aconteceu em 7 de Abril de 1570.
Fernão Mendes Pinto foi para Vale de Rosal, em Almada, onde se manteve até à morte e onde escreveu, entre 1570 e 1578, a obra que nos legou, a sua inimitável Peregrinação. Esta só viria a ser publicada 20 anos após a morte do autor, receando-se que o original tenha sofrido alterações às quais não seriam alheios os Jesuítas.
Luís de Camões, embora mais novo, morreu em 10 de Junho de 1580, enquanto que Fernão Mendes Pinto veio a falecer 3 anos mais tarde, em 8 de Julho de 1583.

Não havendo certezas quanto a um encontro entre estes 2 grandes escritores da Língua Portuguesa, neste período de 1570 a 1580, em que eles viveram por perto, sempre podemos imaginar, deste modo, o seguinte diálogo entre os dois:
- Amigo Fernão, somos um povo de heróis - disse Luís de Camões;
- Amigo Luís, somos um povo de heróis e de canalhas. Se um dia somos capazes dos maiores feitos, no outro cometemos os crimes mais cruéis – respondeu Fernão Mendes Pinto.

sábado, 9 de abril de 2011

Um sogro do melhorio...

Decorre, neste fim de semana, em Matosinhos, o Congresso do Partido Socialista, com grande fervor militante em volta do seu grande timoneiro.
Estreia-se ali, aliás, um filme com o título "Um sogro do melhorio", que retrata a tragédia portuguesa, e que tem, à frente do elenco, um grande actor, José Sócrates.
A propósito, alguém sabe quem é o melhor sogro do Mundo?.
A resposta é: José Sócrates. Porquê?. PORQUE DEIXOU TUDO À NORA.
Perante este espectáculo torpe da vida pública, só apetece dizer, como Herculano: "Isto dá vontade de morrer!".