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terça-feira, 27 de setembro de 2011

Moços que parecem homens e nunca foram meninos



Esteiros. Minúsculos canais, como dedos de mão espalmada, abertos na margem do Tejo. Dedos das mãos avaras dos telhais que roubam nateiro às águas e vigores à malta. Mão de lama que só rio afaga.



Li os Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes, possivelmente em 1972, numa edição da colecção “Livros de Bolso Europa-América”, não tendo sido por acaso que o editor o escolheu para iniciar uma nova colecção.

Reli-o agora, porque tenciono visitar, brevemente, o Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira.

Esteiros foi publicado em 1941. Integra-se na estética do neo-realismo e retrata o trabalho infantil na vila de Alhandra.

A obra narra a vida de jovens trabalhadores que, nas margens dos esteiros do Rio Tejo, fabricam peças de barro nos telhais.

Gineto, Gaitinhas, Malesso, Maquineta, tantos outros, são os operários-meninos dos telhais à beira dos esteiros do Tejo. Sujeitos à dureza do trabalho quando o conseguem arranjar, vadiam e roubam para comer durante o resto do tempo. Apesar de tudo, sonham.

Esta é história dos rapazitos miseráveis dos esteiros do Tejo.

Este é o romance dos “moços que parecem homens e nunca foram meninos”.

domingo, 25 de setembro de 2011

Os nossos poetas

Ontem, passei pelo Parque dos Poetas, em Oeiras. Já conhecia, mas não havia prestado a devida atenção aos poetas que são ali homenageados. O parque é atravessado pela Alameda dos Poetas, com espaços (chamadas “ilhas”) reservados aos nossos poetas. Nesta primeira fase, estão ali expostas 20 esculturas de poetas do Séc. XX: Teixeira de Pascoaes, Florbela Espanca, José Gomes Ferreira, Miguel Torga, Sophia de Mello Breyner, Natália Correia, Eugénio de Andrade, Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro, Alexandre O`Neill, Camilo Pessanha, José Régio, Vitorino Nemésio, Jorge de Sena, Carlos Oliveira, Manuel Alegre, David Mourão Ferreira, António Gedeão, Ruy Belo e António Ramos Rosa.

A Câmara Municipal de Oeiras, ao que se sabe, consultou 4 Organismos competentes na matéria para fazer a selecção dos poetas a integrarem esta 1ª fase. A escolha é, para mim, quase consensual. Embora reconhecendo que nunca é fácil uma escolha desta natureza, tenho muita pena que o poeta Sebastião da Gama não faça parte desta galeria. O poeta da Arrábida, como é conhecido, morreu muito novo, aos 27 anos, mas deixou uma obra que se caracteriza por uma elevada singularidade.

Ao que li, o projecto inicial do Parque dos Poetas foi de David Mourão-Ferreira, o qual, tenho a certeza, ficaria muito satisfeito se tivesse agora, perto de si, o seu grande amigo Sebastião da Gama. É pena. David Mourão-Ferreira iria ler, muitas vezes, estou certo, o que escreveu a propósito dos passeios que ambos davam pela Arrábida: «…ora aguardando-nos, à chegada da trôpega camioneta que nos tinha levado até Vila Nogueira de Azeitão, para logo a seguir nos arrastar a pé, serra acima, serra abaixo, por veredas de que só ele detinha o segredo, a fim de melhor nos fazer ver ou rever todos os recantos, todos os encantos da sua Arrábida». É pena...

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Os livros do ano em que eu nasci

No ano em que nasci, o José Saramago escreveu o seu primeiro livro. Era para se chamar A VÍUVA, mas a Editora convenceu-o a mudar o nome para TERRA DO PECADO. Era o ano de 1947.

Por curiosidade, fui ler o livro que já andava na minha estante há alguns anos. Sem grande expectativa, devo confessar.

Como o próprio Saramago diz, o autor era um rapaz de 24 anos, calado, metido consigo, que ganhava a vida nos serviços administrativos dos Hospitais Civis de Lisboa e teve, como primeira estante para livros, uma prateleira interior do guarda-louça familiar.

Na capa do livro refere-se OBRA DE JUVENTUDE. Não se pode pedir muito a quem se inicia nas lides literárias. O livro teve mesmo pouco sucesso, “terminando a pouco lustrosa vida nas padiolas”, como reconhece o próprio Saramago.

O livro que foi escrito no ano em que eu nasci. Curioso, e se me desse ao trabalho de ir à descoberta de outros livros dados à estampa em 1947? Vamos a isso…

domingo, 11 de setembro de 2011

Santo Antero

                         (retrato de Columbano Bordalo Pinheiro, 1889)


No dia 11 de Setembro do ano de 1891 (há 120 anos), morreu o poeta Antero de Quental, a quem Eça chamava o nosso Stº Antero.

Escreveu o soneto "NA MÃO DE DEUS", oração que podia ser dita por um de nós:

Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

José Saramago, o viajante

O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre."

A minha relação de amor-ódio com o José Saramago não pára nunca. Nestas férias, li a Viagem a Portugal, livro agora reeditado pela Caminho.  Não é um guia turístico, como ele diz, mas (tenho a certeza) vai ajudar nas minhas (raras) investidas pelo país. O livro é um deleite. Uma agradável surpresa.

Viagem a Portugal é uma colecção de crónicas escritas, em 1981, ao longo da sua viagem por todas regiões de Portugal Continental. Entra nas igrejas e museus, passeia por ruínas e castelos, fala sobre estilos arquitectónicos, conhece azulejistas, pintores, escultores. Ele escreve dando as suas opiniões. Conta incidentes, faz amizades pelo caminho. Esta edição não traz fotos, o que é uma pena, mas sei que existe uma edição com fotografias tiradas por Maurício Abreu, que então acompanhou o Saramago. Tenho agora a certeza que há muito pouca gente em Portugal que tenha entrado em tantas igrejas. Chega a impressionar os quilómetros que ele anda para conhecer uma pequena capela por algum motivo em especial e o número de portas a que tinha de bater para ter a chave da igreja. Para um ateu, como o Saramago, é obra…