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sábado, 31 de agosto de 2013

Ferreira de Castro, anarco-sindicalista


Uma mão amiga deu-me a ler “Os Fragmentos”, de Ferreira Castro, que eu desconhecia. O livro inclui, entre vários fragmentos, um romance com o título “O Intervalo”, escrito em 1936. Por razões óbvias, o livro não pôde ser publicado nessa altura. Foram, sobretudo, razões políticas, já que os adversários da República até se poderiam aproveitar do romance.

Durante 36 anos, Ferreira de Castro hesitou muito quanto às vantagens ou desvantagens da publicação de um romance que pintava, com objectividade dolorosa, a luta dos anarco-sindicalistas, no período curto de vigência da república espanhola. Ferreira de Castro dá-nos um panorama não idealista da brutalidade repressiva dos republicanos, nos momentos em que o operariado espanhol se levantou em greves ameaçadoras. 

Esta foi mesmo a principal razão por que Ferreira de Castro teve sempre escrúpulos em dar à luz o seu romance. Só já em 1972, ele entendeu que tudo isso era já história, que os ânimos, de um lado e do outro, estariam já mais aplacados. Preparou-se, pois, para publicar uma versão um pouco alterada do manuscrito original, a qual só veria a luz, em 1975, após a sua morte.

O romance dá testemunho da vida, entre o proletariado espanhol dos anos trinta (imediatamente antes do começo da guerra civil), de um anarco-sindicalista português, Alexandre Novais (o alter-ego de Ferreira de Castro?).

É uma pintura poderosa e emocionante da vida difícil, sem estabilidade e frequentemente perigosa, da luta empreendida pelos operários espanhóis, num sentido de uma melhoria geral da vida de quem trabalha.

Esta visão de um intervalo entre o velho mundo da exploração e a utopia (os amanhãs que cantam), de um intervalo que significava luta. Aliás, se virmos bem, toda a obra de Ferreira de Castro não é mais que um repetir do testemunho de vidas situadas nesse intervalo. “A Selva”, “Imigrantes”, “Terra Fria”, “A Lã e a Neve”, “A Curva da Estrada” são outras tantas biografias de personagens angustiados que aspiram a emergir de um intervalo de luta para um mundo novo em que cessaria a exploração e o homem viveria finalmente livre.

O próprio Ferreira de Castro viveu toda a sua vida nesse intervalo e, quando julgava ter finalmente saído dele, a morte surpreendeu-o. Morreu no dia 29 de Junho de 1974, um mês após a Revolução do 25 de Abril.

domingo, 11 de agosto de 2013

O Senhor a, e, i, o, u



João de Deus de Nogueira Ramos, o poeta João de Deus, nasceu em São Bartolomeu de Messines, no dia 8 de Março de 1830. Morreu em Lisboa em 11 de Janeiro de 1896. Foi um eminente poeta lírico, considerado, à época, o primeiro do seu tempo, e o proponente de um método de ensino da leitura, assente na Cartilha Maternal, por ele escrita, que teve grande aceitação popular.

Foi considerado o poeta do amor. Nunca foi rico. Não foi político, não obstante uma passagem fugaz pelo Parlamento. E, todavia, foi uma grande figura do Sec. XIX. Estudou Direito em Coimbra, para onde foi com 18 anos. Não gostava de estudar. Preferia a guitarra e os versos. “Ó minha mãe, quem é aquele/pregado na cruz…”. Ou “De que choras tu, anjinho”. Versos e canções muito simples, de grande enternecimento. Bacharel em 1969, ao fim de 10 anos, com uma nota fraca, curso que se tirava em 4 anos! Ficou em Coimbra, a andar por ali. Mais tarde, veio para Beja e escreveu no “Bejense”. Não era monárquico, não era republicano. Não obstante, muito contrariado, foi deputado. Não votem em mim, não votem em mim…implorou ele, mas votaram. Foi deputado, mas não abriu a boca. Passava o tempo em tertúlias com os amigos no Café Martinho da Arcada. O que o impressionou foi o analfabetismo da população portuguesa. 80% ao tempo da Revolução Liberal, 75% na Implantação da Republica.

Inventou então o célebre método de aprender a ler. As mães amam verdadeiramente os seus filhos. Ninguém melhor que elas podem ensinar os filhos as primeiras letras. Assim nasceu a Cartilha Maternal. A 1ª edição foi em 1876, com muito sucesso. E outras se seguiram. Todos os anos, novas edições. Um êxito fulgurante que mudou a sua vida. Casou com Guilhermina Battaglia, filha do organista na Sé de Lisboa. Tornou-se quase um objecto de culto. No final de vida, uma grandiosa manifestação do povo, alegadamente por iniciativa dos estudantes de Coimbra. Durante a homenagem o rei D. Carlos impôs-lhe a grã-cruz da Ordem de Santiago da Espada.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Morreu o escritor Urbano Tavares Rodrigues


Urbano Tavares Rodrigues morreu hoje na cidade de Lisboa. Autor prolífico, figura como um dos mais prestigiados escritores da segunda metade do século XX em Portugal. Além de romances, escreveu em diversas revistas e jornais, Foi director da revista Europa e crítico de teatro. Enquanto repórter percorreu grande parte do mundo, tendo reunido os seus relatos de viagem nos volumes Santiago de Compostela (1949), Jornadas no Oriente (1956) e Jornadas na Europa (1958).

Recebeu variados galardões literários, com destaque para o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores e o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco.

Urbano Tavares Rodrigues era um homem bom e a cultura portuguesa perdeu um grande vulto. Paz à sua alma.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Um comentário que é uma relíquia


Há dias, ouvi na TV uma curiosa história acerca de um comentário de Camilo Castelo Branco ao romance “A Relíquia”, de Eça de Queiroz.

São conhecidas, no mundo literário, histórias e intrigas que se contam entre estes dois grandes vultos da Literatura Portuguesa. Não admira. Sempre foi assim. Havia vinte anos de idade a separá-los e as suas vidas foram bem diferentes. E, no entanto, são dois grandes vultos da História da Literatura Portuguesa. Cada um com a sua legião de admiradores.

A tal história, um pequeno episódio, conta-se em poucas palavras. Camilo leu o romance e escreveu, a lápis, à margem: “Este livro tem duas partes: a primeira, é uma porcaria; a segunda: uma maçada…”

Injusto, porque, não obstante o conteúdo,o livro está muitíssimo bem escrito.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Fernando Pessoa, o cicerone


Este livro do Fernando Pessoa surpreende. Chama-se “Lisboa - o que o turista deve ver”. Só foi descoberto em 1988, por entre os papéis inéditos de Pessoa. Trata-se de um texto em inglês, completo, dactilografado –coisa rara no Espólio! – descobrindo-se então ser um guia pronto para publicação.

Trata-se de um guia de Lisboa, a sua amada cidade, a que Pessoa chamava o seu “lar”. Escrito em inglês, como se disse, em estilo propositadamente turístico, despojado de retórica, onde se percorre todo o património importante da cidade, seja ele arquitectónico, intelectual ou de puro lazer. 

O texto, provavelmente datado de 1925, inseria-se num amplo projecto de publicações a editar por Pessoa para dignificar Portugal, que ele considerava “descategorizado”, face à civilização europeia e, neste caso, a dignificar a capital – Lisboa. O livro foi publicado em bilingue, sendo a sua 1ª edição do ano de 1992.

Tem prefácio de Teresa Rita Lopes, uma conhecida estudiosa do universo pessoano, que curiosamente confessa que, confrontada com o texto, a sua primeira preocupação foi saber se era mesmo obra do Pessoa. 

É evidente, diz ela, que o facto de estar no Espólio só por si não chega para o atribuirmos a Pessoa. Há por aí, neste campo, tantas falsidades, que é de desconfiar e estudar bem. Diz ela ainda, “nos quase trinta anos da minha vida que tenho dedicado às incursões na selva pessoana, tenho aprendido a conhecer esse terreno minado e armadilhado”. 

E conclui, dizendo “no caso deste guia, não tenho qualquer hesitação em atribuí-lo a Pessoa”.

É bom saber que assim é, pois, lendo este guia, e conhecendo-se a restante obra do poeta, a primeira reacção é, realmente, de espanto, tal a simplicidade do texto. 

De todo o modo, não podemos perder de vista que se trata de um texto em inglês, para turista ler, e que, como o próprio Pessoa escreveu, este texto, assim como as restantes obras por ele sonhadas neste campo (mais um sonho do poeta!) não se destinavam a literatos, mas ao grande público: estariam “connected with commerce, literature and art”.

Vale a pena dar uma volta por Lisboa, guiados pelo olhar cicerone de Pessoa!

domingo, 4 de agosto de 2013

"Guerra e Paz", de Leon Tolstói


Finalmente, acabei de ler o romance “Guerra e Paz”, do russo Leon Tolstói. Em dois tempos: no Verão do ano passado e no presente. O que provavelmente prejudicou a leitura. Pelo meio, meteram-se muitos livros, mas teve que ser assim. De todo o modo, valeu a pena!

Mais que um romance. Ou será um romance histórico? Narra a história da Rússia ao tempo das invasões francesas. O autor não se limita a tecer a narrativa romanesca, intervindo amiúde com considerações pessoais sobre questões como: qual o objecto da História?; o que é o poder?; qual é a força que determina o movimento dos povos?.

Tolstói termina a narrativa com uma extensa conclusão, desenvolvendo uma teoria fatalista da História, onde o livre-arbítrio não teria mais que uma importância menor. Nesta via, todos os acontecimentos só obedeceriam a um determinismo histórico inelutável.

A novela épica apoia-se em episódios ficcionais e históricos sobre a Rússia, à época de Napoleão Bonaparte, num momento de profunda convulsão. O romance é um espaço de reflexão sobre a vida humana e a sua frágil existência. As personagens amam, odeiam e lutam, mas acima de tudo anseiam por encontrar um sentido para a vida. Tal como elas, também Tolstói se confrontou inúmeras vezes com a sua própria condição enquanto ser humano, refugiando-se a dado momento numa fé e religiosidade profundamente vincadas. 

Guerra e paz” é considerado uma das maiores criações literárias de sempre. Escrito entre 1865 e 1869, é talvez, segundo muitos críticos, a sua obra-prima. Ou será "Ana Karenina" como próprio Tolstói acha? Bem, este fica para o Verão do ano que vem.