O corpo fraquejava e a cabeça rebentava de perguntas para as quais não tinha resposta. “Levanta-te e vai caminhar!” encorajou-me um dia uma amiga. “Caminha, caminha sem tempo contado, vais ver que começarás a ver luz ao fundo, acredita!”
O mês de agosto chegou ao fim e os dias continuam deslumbrantemente limpos, luminosos e quentes.
Em dia de folga saio cedo e caminho pela colina acima da minha casa, banhada pela luz vibrante dos campos verdes que a ladeiam. Uma luz que apetece beber como quem mata a sede com um copo de limonada. Uma luz que me faz acreditar, que se nela estivermos por inteiro, conseguimos trazer leveza aos dias que se seguirão.
O tema da luz vai sendo recorrente na minha vida, quando escrevo, como escolho iluminar a casa ou o jardim, nas velas que acendo à medida que os dias vão escurecendo. Talvez porque na mesma medida teimo em me desfazer dos lugares escuros que inevitavelmente me vão habitando. E, também porque neste país do hemisfério norte, onde metade do ano os dias são mais curtos, cada raio de luz pede atenção.
Desde que vivo na Noruega tenho descoberto que caminhar em contacto íntimo com a natureza me devolve muitas respostas. Contudo, é desde que vivo mais a sul, onde os dias de Verão são quentes e mais longos, que tenho aprofundado mais esta experiência.
Caminhando tomo conta do quanto esse movimento me afecta positivamente, e por consequência aos que me rodeiam.
Há um ano e meio divorciei-me, e caía assim por terra o projecto de família que me tinha levado até aí. Com três filhos maravilhosos e evidentemente vulneráveis pelas circunstâncias, era tempo de repensar tudo de novo, reinventar sonhos, despir-me de velhas verdades.
A caminhar tomo consciência de que as respostas surgem porque eu me disponibilizo tempo, tempo para me escutar e interrogar.
Nesta altura o corpo fraquejava e a cabeça rebentava de perguntas para as quais não tinha resposta. “Levanta-te e vai caminhar!” encorajou-me um dia uma amiga. “Caminha, caminha sem tempo contado, vais ver que começarás a ver luz ao fundo, acredita!”
E como que numa epifania, qual Lázaro erguendo-se dos seus medos e acreditando no amor que o moveria, pus-me a caminhar. Não corri “três anos, dois meses, catorze dias e dezasseis horas” como Forrest Gump, no maravilhoso clássico de Robert Zemeckis, que revisitei há dias com os meus três filhos, mas tenho andado mais do que alguma vez na vida.
Caminho na cidade, no bosque, subo e desço montanhas.
A caminhar tomo consciência de que as respostas surgem porque eu me disponibilizo tempo, tempo para me escutar e interrogar. Tempo para deixar as perguntas emergir e permitir que respostas se vão ensaiando. Muitas vezes em tom de uma oração que me comove.
Caminhar traz-me as minhas fragilidades e forças, faz-me dar de caras com quem verdadeiramente sou, liberta-me de culpas, acalma-me e devolve-me o amor próprio e, por conseguinte, ao outro.
Há uns tempos li o livro do escritor norueguês Erlin Kagge, “A arte de caminhar”, um ensaio muito interessante sobre a experiência de caminhar.
A determinada altura escreve: “Tudo se move mais devagar quando caminho; o mundo torna-se mais suave, e durante um curto espaço de tempo, não me encontro a realizar tarefas domésticas, nem numa reunião, nem a ler manuscritos. Um homem livre tem tempo. (…) A caminhar torno-me o centro da minha própria vida”
Por isso, vivas no campo ou na cidade, caminha, porque, e citando o mesmo livro, “Caminhar significa por vezes empreender uma viagem interior de descoberta”.
Fica o convite!
Marta Parada Carvalho, in Portal dos Jesuítas, de 13/9/2021