Li desenfreadamente “O Último Cabalista de Lisboa”, de Richard Zimler. O livro fala-nos do massacre de Lisboa de Abril de 1506, onde cerca de dois mil cristãos-novos, os judeus forçados à conversão ao cristianismo em 1497, perderam a vida nesses motins, muitos deles queimados no Rossio. Uma multidão perseguiu, torturou e matou centenas de judeus, acusados de serem a causa de uma seca, fome e peste que assolavam o país. Isto sucedeu antes do início da Inquisição e nove anos depois da conversão forçada dos judeus em Portugal, durante o reinado do Rei D. Manuel I.
Foi assim que tudo começou, segundo as palavras do narrador:
[…] Foi na igreja dos Dominicanos. Um crucifixo com um buraco escavado e tapado com um espelho. Os frades puseram por trás uma candeia acesa e começaram a dizer a todos que a luz era um sinal do Nazareno, um milagre. Há cerca de uma hora um cristão-novo, o alfaiate Jacob Chaveirol (…) começou a dizer que era muito melhor que Cristo nos desse chuva em vez de lume! (…) E depois mataram-no à pancada. Abriram-lhe a barriga e arrancaram-lhe o... Dois padres apelaram aos fiéis para que matassem os judeus. Mataram Isaac, o irmão dele. Fizeram-no em pedaços. A cabeça que está no campanário é a dele. Os marinheiros do Norte deram dinheiro para se fazer uma pira de lenha [... ].
Richard Zimler reescreve a história de Berequias Zarco sob a forma de um mistério, aproximando-se da narrativa policial, usando, para o efeito, uma linguagem coloquial, a partir de manuscritos encontrados na cidade de Istambul, em 1990.
O personagem principal, Berequias Zarco, o próprio narrador, é um jovem inteligente e confuso, que viveu em Lisboa antes de fugir para Istambul, que fazia iluminuras, que vendia fruta e era cabalista.
Era um jovem destroçado pela morte de seu tio, Abraão Zarco, um famoso calabista, provavelmente responsável por algumas obras da Escola Cabalística de Lisboa.
O livro conta a odisseia da família de Berequias Zarco durante os trágicos acontecimentos de Abril de 1506, sobretudo a perseguição que Berequias Zarco moveu ao assassino do seu amado tio Abraão Zarco.
Uma leitura que faz doer, que desassossega. Lembra um tempo da nossa História que, no meu caso, me envergonha, como português e como católico. A violência e a intolerância religiosa de então provoca hoje um desconforto enorme.
Li este livro há pouco mais de 10 anos, emprestado por uma colega de trabalho. Escusado será dizer que gostei imenso, também devido à minha queda para a História e, por isso, para o romance histórico. Mas parece-me que não devemos sentir um excesso de culpa pelo passado tenebroso. Todos os povos o têm, fruto das diversa épocas e mentalidades, que hoje nos chocam. Quanto mais distantes os factos, mais distantes estamos da mentalidade que os justificou. Pior é quando são acontecimentos recentes, como no caso da Alemanha, da Rússia da China, do Japão ou até da Espanha (guerra civil), cujas atrocidades, justificadas por ideologias e não pela religião, ocorreram em pelo século XX.
ResponderEliminarObrigado pelo teu comentário, Zé Luís. Na História de Portugal, da qual nos devemos orgulhar, há vitórias e belas memórias que ainda hoje inspiram. Porém, também há acontecimentos negros.
ResponderEliminarQuem e o narrador deste livro???
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