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segunda-feira, 28 de abril de 2014

Monsanto, uma aldeia com História


Por razões do meu compromisso com o Grupo de Leitura, revisitei "Retalhos da Vida de Um Médico", de Fernando Namora. Publicado em 1949, o livro é uma espécie de contos isolados sem qualquer ligação entre si. O autor foi médico na aldeia de Monsanto, na Beira Baixa, entre 1946 e 1947. A (re)leitura deste livro levou-me até Monsanto, uma aldeia que conheço há muitos anos.

Fernando Namora, jovem médico, não traça um quadro simpático da população local. O narrador fala de um povo desconfiado, duro, inviolável, subalimentado. Referindo-se a Penha Garcia, uma aldeia vizinha de Monsanto, escreve, "uma aldeia imunda, desconfiada....uma gente ressentida, híbrida, pátria de contrabandistas...sendo uma povoação mesquinha de duas mil almas...". Eu, que tinha lido o livro há muitos anos, fiquei surpreendido com o tom depreciativo do narrador em relação a este povo. Raramente, muito raramente, ele deixa um pequeno elogio para aquele "povo soturno".

E pouco, ou nada, fala da história, das tradições, das festas populares e das lendas de Monsanto. Uma pena!  

O Fernando Namora podia ter escrito acerca do título de aldeia mais portuguesa de Portugal, mas nada disse. O concurso havia sido antes, em 1938. A estátua ganha com o 1º lugar é um Galo de Prata, que está guardada na Junta de Freguesia. No alto da Torre está uma réplica em ponto bem maior. A torre é a famosa Torre de Lucano, cuja origem do nome se desconhece (homem de Luca, cidade italiana?). Foi construída em 1420 (5 anos depois da conquista de Ceuta).

Fernando Namora podia ter escrito acerca do Castelo de Monsanto, mas nada disse. O castelo, ou uma grande parte dele, foi construído por Gualdim Pais, o Templário que construiu vários castelos em Portugal, o tal que se comparou ao diabo, “UT LUCIFER”. Um enigma. O castelo foi sendo aumentado no tempo de D. Dinis e de D. João I, na Restauração e, ainda, no tempo das Guerras Liberais. Tem uma igreja românica, totalmente abandonada. 

Fernando Namora podia ter escrito a propósito da Festa do Castelo ou da Festa da Divina Santa Cruz, mas nada disse. A festa realiza-se, todos os anos, a 3 de Maio. Não falou da tradição do pote pintado de branco e cheio de flores, atirado pelo precipício do penhasco. Ou da lenda da bezerra atirada muralhas abaixo com a barriga cheia com o último alqueire de trigo. Esta tradição apresenta 3 características: primeira, o lado pagão, o pote carregado de flores, as maias; segunda, o lado religioso, a festa da cruz; terceira, o lado histórico, o cerco ao castelo. Mas, em relação ao cerco, deve dizer-se que não há registo histórico desse episódio, o qual, aliás, é contado, como se sabe, noutros locais do país com esta ou aquela variante. 

Fernando Namora podia ter mostrado aos leitores os célebres adufes, assim como as marafonas, mas nada disse. As marafonas são bonecas de trapos, em forma de cruz e o rosto sem olhos. 

Fernando Namora podia aproveitar para falar da História de Monsanto, mas nada disse. Uma fase pré-história. Depois, as tribos celtiberas e, sucessivamente, os romanos, os visigodos, os mouros e os cristãos com Gualdim Pais. Foi sede de concelho entre 1174 e 1853.

Fernando Namora podia ter falado do episódio do rebentamento do paiol dentro do castelo, ocorrido em 1815, mas nada disse. E da lenda que lhe está associada. Daria um conto, mas não. A lenda do governador que mandou prendeu os rapazes que foram ao campo buscar o madeiro para arder na noite de Natal no adro da igreja. E que, não satisfeito ainda, levou o madeiro para casa para se aquecer. Mas, como os deuses não dormem, uma faísca fez rebentar a casa, vindo os ferros da trempe espetarem-se-lhe no coração!

Da leitura do livro, dá a impressão, por vezes, que o autor pretendeu fazer um ajuste de contas com esta gente. Por sua vez, Monsanto mal recorda a passagem do escritor por esta aldeia que foi considerada a Aldeia Mais Portuguesa. Nem um Museu, nem uma Casa-Museu, para mostrar aos visitantes que vão ali à procura das marcas do escritor. Apenas um nome de Rua e uma simples placa no prédio da família, cujas letras mal se conseguem ler. Muito pouco.

É patente o divórcio entre o escritor e a aldeia. Apesar de tudo, é uma pena!

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