senão que sou feliz.
Lá o que fui ou fiz
antes de ser o que sou,
ai!, tudo me passou:
só sei que sou feliz.
E que me importa a cor
das águas que passaram?
Estas águas me bastam
que vão correndo agora.
Fosse o que fosse, a minha
passada vida incerta
(feliz ou desgraçada),
foi uma porta aberta
pra esta vida clara.
Por isso eu a bendigo,
a minha vida ida.
Talvez as rosas nela
tivessem bem mais cor,
o Sol mais Luz e Amor,
e música mais bela
a viração, então;
mais verde fosse o Mar...
- Mas que vale o que foi,
se, quanto vejo ou provo,
tem tudo um gosto novo?...
Se nada cansa ou dói?...
Se as rosas, para mim,
nasceram mesmo agora,
e as aves e o Mar?...
Se o Sol aconteceu
ao mesmo tempo que eu
olhei à minha roda
e vi o meu presente
a ser-me a vida toda?...
Sebastião da Gama
Quando a tuberculose o vitimou definitivamente, Sebastião da Gama tinha 27 anos. Corria o mês de Fevereiro de 1952, estava o poeta a viver em Estremoz, onde dava aulas e, no limite das suas forças, foi levado para Lisboa, para o Hospital São Luís, onde viria a falecer no dia 7 desse mês.
Duas semanas antes, numa crónica em prosa a propósito de um pintassilgo engaiolado, intitulada «Encarcerar a asa», comentou: «Se eu andasse zangado com a Vida, que não ando (apesar de tanto mal que me tem feito, há tantas coisas boas que a Vida dá e me dá!), era por causa do pintassilgo que me reconciliaria com ela. Com ela e com os homens — se eu andasse zangado com os homens...». Só alguém que se acha plenamente reconciliado com os homens, é capaz de dizer "Só sei que sou feliz".
Não obstante a morte precoce, Sebastião da Gama é considerado um importante poeta da geração dos anos 50. E apesar de, à data da sua morte, ter publicado apenas 3 livros de poemas: Serra-Mãe (1945), Cabo da Boa Esperança (1967) e Campo Aberto (1951). A maior parte da sua obra foi publicada postumamente.
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