Começou há dois dias a campanha eleitoral para as eleições legislativas que se hão de realizar no dia 4 de Outubro. Muito frenesim, já estamos acostumados. E por vezes, no meio do ruído, uma pequenina luz, como diria Jorge de Sena. Um poema. Um candidato (seria do partido da protecção dos animais?), no meio duma grande gritaria, diz um poema:
O nome do cão
O cão tinha um nome
por que o chamávamos
e por que respondia,
mas qual seria
o seu nome
só o cão obscuramente sabia.
Olhava-nos com uns olhos que havia
nos seus olhos
mas não se via o que ele via,
nem se nos via e nos reconhecia
de algum modo essencial
que nos escapava
ou se via o que de nós passava
e não o que permanecia,
o mistério que nos esclarecia.
Onde nós não alcançávamos
dentro de nós
o cão ia.
E aí adormecia
dum sono sem remorsos
e sem melancolia.
Então sonhava
o sonho sólido que existia.
E não compreendia.
Um dia chamámos pelo cão e ele não estava
onde sempre estivera:
na sua exclusiva vida.
Alguém o chamara por outro nome,
um absoluto nome,
de muito longe.
E o cão partira
ao encontro desse nome
como chegara: só.
E a mãe enterrou-o
sob a buganvília
dizendo: " É a vida..."
Manuel António Pina
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