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sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Nasceu há 100 anos



CRUZEIRO SEIXAS, artista plástico e poeta surrealista

Hei-de lembrar eternamente a hora exacta
em que morrerei
entre venenosas flores.
Correrei sustido junto ao mar
que dizes
é o meu reflexo
E os teus olhos são jardins abertos
que rego amorosamente
e abandono aos cavalos cornudos
do dia-a-dia.
Sinto o naufrágio de todos os leitos
e beijo os manequins dados à costa.
Beijarei ainda o alto espaldar da cadeira
e no prato de prata essa estrela aberta ao meio
cirurgicamente como um fruto
na última sala
do meu ex-coração.
Tudo o que faço inscreve-se
na curva perfeitíssima da memória;
que importa a sede das pedras
no espaço forrado a veludo?
Cresce a vaga ______ curva-se o país de labaredas
e uma estátua de água assobia
enterrando uma palavra encontrada sem fôlego
junto ao sol.
Agora está grávido o Vento
e na sua fuga
arrasta as cidades.

Cruzeiro Seixas, in “Obra Poética - I”, Porto Editora, 2020, pp. 13-14
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