De supetão, leio no televisor, na legenda que está a correr em baixo: morreu o poeta Manuel António Pina. O poeta nasceu no Sabugal, era jornalista e escritor, com uma obra mais vasta na área da poesia e literatura infanto-juvenil. Conquistou o Prémio Camões 2011.Veio-me à memória o poema que ele escreveu quando visitou o seu amigo Eugénio de Andrade quando este estava já muito doente. O poema chama-se
A Hora do Lanche
Na mão da Ana o iogurte não
iluminava, escurecia,
comunhão ajoelhada
no fundo do coração do dia
A Hora do Lanche
Na mão da Ana o iogurte não
iluminava, escurecia,
comunhão ajoelhada
no fundo do coração do dia
imemorial onde, desperto, ele dormia.
O movimento da colher embalava-o
como uma música que quase se ouvia
neste mundo ou como o colo que o adormecia.
A tarde declinava, as sombras,
como sombras, alongavam-se na almofada;
tudo fazia um sentido
literal e simples, onde não pode a poesia.
Se alguma coisa ficara
por dizer já não iria ser dita;
as palavras tinham-se sumido, transidas,
no interior da casa, o próprio silêncio emudecera.
Senhor, permite que adormeçamos
antes que feches a luz e desça
sobre nós a tua escuridão,
que os rebanhos estejam recolhidos
e os credores se tenham afastado da nossa porta,
mas que tenhamos pago as dívidas aos que nos serviram
e aos que nos amaram e aos que nos esperaram;
as tuas grandes mãos sustentarão o telhado e as paredes,
e moerão o grão e fermentarão o trigo,
apaga com as tuas mãos para sempre o rasto
da nossa vida
e que repousemos enfim
sem motivo para nos culparmos
por não termos sido felizes.
Foz do Douro, 26 de Janeiro de 2005
Manuel António Pina
é como uma visão do silêncio...
ResponderEliminardo silêncio (definitivo?) que se aproxima...
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