Passam hoje 40 anos. Logo, lá mais para a noite, por volta das 9 horas, eu vi, pela primeira, Lisboa lá do alto. As luzes das avenidas, dos barcos no rio, do Cristo-Rei. Eu subia cada vez mais para o alto e a cidade ficava cada vez mais para trás. Ia dentro de um avião, a caminho de Angola. Eu e os meus companheiros da 1ª Companhia do Batalhão de Infantaria nº 4611. O destino era a cidade de Luanda. Primeiro, no quartel do Grafanil, depois logo se saberia.
Foi uma partida difícil, a qual o tempo se encarregou de fazer esquecer. De tudo, a minha memória guarda aqueles breves segundos da subida do avião, deixando para trás a cidade de Lisboa. Não chorei porque um homem não chora (não chora mesmo?).
A tristeza não era tanto pela partida, mas sobretudo pelo regresso. Será que volto? Tive muita sorte, voltei. Outros companheiros, não.
Um dos que não voltou, foi o Alferes Sasso. Morreu, um dia, nas matas densas das terras de Dar es Salam, na Guiné. Quem conheceu o Alferes Sasso e conta a sua história é o Dr. Mendes Gomes, distinto Advogado na empresa onde trabalhei.
Foi uma partida difícil, a qual o tempo se encarregou de fazer esquecer. De tudo, a minha memória guarda aqueles breves segundos da subida do avião, deixando para trás a cidade de Lisboa. Não chorei porque um homem não chora (não chora mesmo?).
A tristeza não era tanto pela partida, mas sobretudo pelo regresso. Será que volto? Tive muita sorte, voltei. Outros companheiros, não.
Um dos que não voltou, foi o Alferes Sasso. Morreu, um dia, nas matas densas das terras de Dar es Salam, na Guiné. Quem conheceu o Alferes Sasso e conta a sua história é o Dr. Mendes Gomes, distinto Advogado na empresa onde trabalhei.
Poema em memória do Alferes Sasso
Estou a ver-te,
no regresso:
Alto, esguio,
óculos escuros.
Fato claro, de corte fino.
Tão vaidoso,
pelas tardinhas de Domingo,
calçada velha acima,
até ao quartel
da velha Évora.
De braço dado,
num corpo só,
com tua moça,
formosa companheira,
boa,
das noitadas do fado,
castiço,
de Lisboa...
de ambos vossa amante.
Que encanto!
Parecíeis mesmo
um casal americano,
tranquilo e tão ufano,
pelo meio do casario branco,
do coração alentejano!...
Que alegria!...
Que vontade de viver
de ti transparecia
pela semana inteira,
de olhos presos
à tua amada!...
Eras sempre o primeiro:
nas paradas,
secas, militares
e nos crosses atletas,
sem parar,
pelas estradas ermas,
e sem fim,
de sobreiros tristes,
através dos montes
do Alentejo...
Nos desafios permanentes,
pronto e voluntário,
prós exercícios
mais malucos....
Que pavor!...
da maluqueira militar.
Ora endiabrado trepador
daquele palanque,
alto e estreito,
de cimento...
ora dependurado,
na vertigem alucinante
da corda e da roldana...
Nas caminhadas nocturnas,
por aquele mundo,
de eremitério,
prás emboscadas perdidas,
nas veredas, ao luar,
prós golpes de mão,
temerosos, traiçoeiros,
mesmo a fingir,
tu levavas tão a sério...
Que exemplo vivo,
de vontade louca
de viver
o dia a dia,
tu me deste,
sem saberes!...
Quiseram as sortes
pra ti malvadas,
levar-nos a todos,
p'rá Guiné!...
Que romaria e arraial
havia sempre
à tua beira!...
Com a viola e o acordeão!
Tua voz rouca,
bem timbrada,
a retinir,
os fados todos
de Lisboa,
tão saudosa...
fazia dó!
Encantadora companheira
nas noitadas solitárias,
do Cachil e Catió...
Como lembro
tuas horas de desespero,
que vivias,
tão sincero,
em filosofia permanente,
à procura do sentido
da nossa dor,
e nossa vida, sobre a terra...
Que sentidos
desabafos me fizeste,
nas vésperas
da tua hora derradeira,
tão a sós,
em noitada de cavaqueira,
tão fraterna,
num duelo filosófico
e porfia verdadeira...
olhos presos,
bem abertos,
às belezas de paraíso,
das escravizadas terras africanas
e ao futuro da vida
que tanto amavas!...
Como suspiravas
encontrar
o caminho certo,
iluminado
do viver...
Eis que
no alvorecer duma aurora,
de suave e fresca neblina,
quando o sol
nascia em liberdade,
a oferecer mais um dia
ao mundo
e à desavinda humanidade,
depois duma noite,
sem sentido,
inteirinha
a caminhar,
por entre matas densas
das terras de Dar es Salam...
adormeceste,
para sempre,
como herói...
no regaço
dos teus irmãos,
ali ao pé!...
Nunca mais te esqueceremos!...
Ó eterno amigo,
Ó companheiro
Sempre nosso!...
Até à vista!
Querido Sasso!...
Estou a ver-te,
no regresso:
Alto, esguio,
óculos escuros.
Fato claro, de corte fino.
Tão vaidoso,
pelas tardinhas de Domingo,
calçada velha acima,
até ao quartel
da velha Évora.
De braço dado,
num corpo só,
com tua moça,
formosa companheira,
boa,
das noitadas do fado,
castiço,
de Lisboa...
de ambos vossa amante.
Que encanto!
Parecíeis mesmo
um casal americano,
tranquilo e tão ufano,
pelo meio do casario branco,
do coração alentejano!...
Que alegria!...
Que vontade de viver
de ti transparecia
pela semana inteira,
de olhos presos
à tua amada!...
Eras sempre o primeiro:
nas paradas,
secas, militares
e nos crosses atletas,
sem parar,
pelas estradas ermas,
e sem fim,
de sobreiros tristes,
através dos montes
do Alentejo...
Nos desafios permanentes,
pronto e voluntário,
prós exercícios
mais malucos....
Que pavor!...
da maluqueira militar.
Ora endiabrado trepador
daquele palanque,
alto e estreito,
de cimento...
ora dependurado,
na vertigem alucinante
da corda e da roldana...
Nas caminhadas nocturnas,
por aquele mundo,
de eremitério,
prás emboscadas perdidas,
nas veredas, ao luar,
prós golpes de mão,
temerosos, traiçoeiros,
mesmo a fingir,
tu levavas tão a sério...
Que exemplo vivo,
de vontade louca
de viver
o dia a dia,
tu me deste,
sem saberes!...
Quiseram as sortes
pra ti malvadas,
levar-nos a todos,
p'rá Guiné!...
Que romaria e arraial
havia sempre
à tua beira!...
Com a viola e o acordeão!
Tua voz rouca,
bem timbrada,
a retinir,
os fados todos
de Lisboa,
tão saudosa...
fazia dó!
Encantadora companheira
nas noitadas solitárias,
do Cachil e Catió...
Como lembro
tuas horas de desespero,
que vivias,
tão sincero,
em filosofia permanente,
à procura do sentido
da nossa dor,
e nossa vida, sobre a terra...
Que sentidos
desabafos me fizeste,
nas vésperas
da tua hora derradeira,
tão a sós,
em noitada de cavaqueira,
tão fraterna,
num duelo filosófico
e porfia verdadeira...
olhos presos,
bem abertos,
às belezas de paraíso,
das escravizadas terras africanas
e ao futuro da vida
que tanto amavas!...
Como suspiravas
encontrar
o caminho certo,
iluminado
do viver...
Eis que
no alvorecer duma aurora,
de suave e fresca neblina,
quando o sol
nascia em liberdade,
a oferecer mais um dia
ao mundo
e à desavinda humanidade,
depois duma noite,
sem sentido,
inteirinha
a caminhar,
por entre matas densas
das terras de Dar es Salam...
adormeceste,
para sempre,
como herói...
no regaço
dos teus irmãos,
ali ao pé!...
Nunca mais te esqueceremos!...
Ó eterno amigo,
Ó companheiro
Sempre nosso!...
Até à vista!
Querido Sasso!...
Já conversámos sobre o evento, mas a hora de partida foi 11 da noite e o nome do batalhão é Batalhão de Caçadores 4611/72. Fomos rendidos em Cabinda, em 1974, pelo 4611/74.
ResponderEliminarO nome Caçadores está associado a maior agressividade, que era o que pretendiam de nós.
Zé Luís, obrigado pela correcção, sempre oportuna, da hora da partida (descolagem do avião?), assim como o nome do Batalhão (Caçadores no lugar de Infantaria). Curioso, este nome “caçador”. É uma boa dica.
ResponderEliminarPor acaso, reparaste nos versos do poema que dizem «Calçada velha acima/até ao quartel/ da velha Évora». Não te lembra nada?
Claro que me lembra a calçada que subia do Rossio de Évora até ao saudoso Quartel de Infantaria 16. Foi o percurso que fiz quando cheguei à meia-noite de 17 para 18 de Abril de 1972, quando cheguei de comboio, acompanhado pelo Mário Viegas, que eu conhecia de vista em Mafra e me encontrou na viagem.
ResponderEliminarNo dia 20 fez 38 anos do nosso regresso.