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quinta-feira, 9 de maio de 2013

Uma abelha na chuva


«[…] Meu pai era médico de aldeia, uma aldeia pobríssima: Nossa Senhora das Febres. Lagoas pantanosas, desolação, calcário, areia. Cresci cercado pela grande pobreza dos camponeses, por uma mortalidade infantil enorme, uma emigração espantosa. Natural portanto que tudo isso me tenha tocado (melhor, tatuado). O lado social e o outro, porque há outro também, das minhas narrativas ou poemas publicados […] nasceu desse ambiente quase lunar habitado por homens […]», em “O Aprendiz de Feiticeiro”. 

Deve haver vários caminhos para escrever um livro. Carlos de Oliveira teve, certamente, razões fortes para escrever "Uma Abelha na Chuva", publicado em 1953. Este romance é considerado, por muitos, uma das mais importantes obras da literatura neo-realista portuguesa. E como chegou Carlos de Oliveira ao Neo-Realismo? 

Importa olhar o seu percurso. Nasceu no Brasil, em Belém do Pará, em 1921. Veio, aos dois anos, para Portugal. A família fixou-se em Cantanhede, mais precisamente na freguesia de Febres, onde o pai exerceu medicina, durante muitos anos. Em 1933, Carlos de Oliveira mudou-se para Coimbra, onde permaneceu durante quinze anos, a fim de prosseguir os estudos. Em 1941,  ingressou na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde estabeleceu amizade com Joaquim Namorado, João Cochofel e Fernando Namora. Em 1947, licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas, instalando-se definitivamente em  Lisboa, no ano seguinte. Todavia, sempre que podia, visitava Febres.

Febres era terra de febres palustres. Sezões que matavam. Grandes charcos com mosquitos. Desolação e morte. E muita pobreza. E muita desigualdade social. “Cresci cercado de pobres camponeses”, escreveu Carlos de Oliveira. Um pedaço de terra amassado com suor e lágrimas. Só Carlos Oliveira, alimentado pelos ideais do Neo-Realismo, bebidos em Coimbra, podia escrever um livro como “Uma Abelha na Chuva”. 

O Neo-Realismo pretende descrever a realidade mas, ao mesmo tempo, quer transformá-la. Por isso, realça a luta daqueles que são o agente dessa transformação. Neste romance, Carlos de Oliveira, com originalidade,  estabelece uma similitude entre essa luta e o universo das abelhas. Os neo-realistas querem mudar a sociedade, lentamente, como as abelhas constroem as suas colmeias. 

O ódio que o casal Álvaro Silvestre/Maria dos Prazeres nutre entre si acaba por desabar sobre os criados e outros personagens secundários que esvoaçam ao redor. Jacinto e Clara, o jovem par de namorados que concebia um futuro, é atingido por esse mal. Jacinto é assassinado, vítima do ciúme doentio de um pretendente, da repulsa de um pai com aspirações sociais e de um Álvaro bêbado que fala sem pensar nas consequências. Clara escolhe a água, no fundo de um poço, para acabar a sua vida e a da esperança que transportava na barriga. 

Quem era, afinal, a abelha de “Uma Abelha na Chuva”? Clara, evidentemente. Foi apanhada por uma chuva forte, da qual não consegue sair ou abrigar-se. «[…] A abelha foi apanhada pela chuva: vergastadas, impu1sos, fios do aguaceiro a enredá-la, golpes de vento a ferirem-lhe o voo. Deu com as asas em terra e uma bátega mais forte espezinhou-a. Arrastou-se no saibro, debateu-se ainda, mas a voragem acabou por levá-la com as folhas mortas». 

Que concluir? O romance encerra com uma mensagem de pessimismo,  traduzida na eliminação de Clara. Tudo estava contra ela, pelo que não se conseguiu defender. Ou será que essa mensagem de pessimismo é só aparente?

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