Eu comi uma inglesa.
Foi em Sintra. Era feriado.
Com esparregado e essa tinta
mint-sauce. Em português,
molho de hortelã-pimenta
com vinagre. Uma beleza!
Alguma batata frita.
Mas eu quis fetos arbóreos,
musgo das fontes, avenca
e pétalas de camélia,
branca-rósea,
para enfeitar a travessa
e trincar, de quando em quando,
uma pétala na fímbria
das orelhas da inglesa,
dizendo: «O tempo está
tão lindo! Não achas, Daisy?»
«I like Shelley» - dizia ela,
cheirando a colégio d'Oxford.
«Swift Summer into the Autumn flowed...
tem tradição. Vem de Chaucer.»
«Eu também gosto» - eu disse,
paraninfo de Euricides -
«porém prefiro John Keats.
I stood tip-toe
Upon a little hill
tem mais naturalidade.
É como se estivesse aqui.
Quanto ao Byron, tu bem sabes
como ele soube viver Sintra:
A glorious Eden inhabited
by savage Lusitanians.
À sova não me refiro.
Tudo isso é história antiga».
«It's true! É verdade!»
(disseste-o, desmemoriada,
mas reticente...
e dobraste-me a parada)
«Mas não esqueça o que ele sofreu
quando dizer lhe vieram:
Shelley morreu.
- Atravessou o Helesponto
a nado!...
I weep for Adonais...»
«Não, não é.» - contestei eu.
«Isso é do Shelley, dedicado
a Keats.
I weep for Adonais
because he is dead.
Eu choro Adonais
porque morreu.
Não está mal... a tradução,
mas tem razão!
Eu sou português e não
falo com a boca cheia.
Esta mania lusíada
de cuspir no chão é feia.
Nós não vivemos na selva.»
E ela, tola-lograda:
- «Dont be silly. Há o fado!
I like fado. Não gostas!
Tu tens a melena cheia
de brilhantina. You look
almost like a fadista!»
Passei a mão pela testa
e desgrenhei a madeixa,
dizendo: - «Queres morangos,
figos, amoras ou beijos?...»
.............
«Obrigado, obrigado, Daisy.
Não sei se estás a troçar
ou a brincar...
pulling my leg para ti.
Mas, enfim, vamos passear
até ali.»
(No fundo, o que eu desejava
era mordê-la na boca,
meter-lhe a mão entre os seios,
voar a cavalo nela.)
Foi uma tarde acabada
na relva, sob pinheiros,
chamaecyparis, ulmeiros,
sequóias, abetos, faias
e a cor azul das hortênsias.
Foi sobre a relva orvalhada
pelo frescor de um riacho,
quando o sol obliquava
e em volta era tudo selva,
que eu comi uma pantera
escura, feroz, inglesa,
com o cheiro de violetas
debaixo do meu nariz.
(Fulva, para quem quiser
modas pré-rafaelitas,
a pantera! Tanto faz!
Ou morena. Convenção
como convém a uma inglesa
convencional, de ocasião.)
E quando nos despedimos
- era noite, havia estrelas -
disseste com essa fleuma
que tão mal me fica a mim:
- «I'll see you later. Do come.
Vem amanhã tomar chá.
Eu gostar muito de ti.»
Loira, era loira a inglesa
que eu comi...
Verde, devia dizer.
Branca-rósea, uma camélia,
que eu comi, ou que colhi.
Já nem sei...
A savage Lusitanian,
dei-lhe só o que ela quis.
Ou queria...
Com peitinhos de perdiz
e alguma poesia:
The air was cooling
And so very still.
Ruy Cinatti (Londres, 8 de Março de 1915 — Lisboa, 12 de Outubro de 1986)
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